Primeiro contato com a máquina de escrever
Fiquei muito empolgado quando minha mãe comprou aquela máquina de escrever portátil. Portátil eu não sei para quem, o trambolho pesava muito mais do que eu era capaz de erguer. Era da marca Olivetti e estávamos no final da década de 1980. Eu já tinha nove anos e muita curiosidade. Saí de lá eufórico. Voltei para a casa da minha avó – onde eu morava – com aquilo na cabeça.
Subi a ladeira da Pedreira pensando na técnica que a minha mãe havia me ensinado para colocar o papel. Era preciso usar o botão giratório para inserir a folha e, em seguida, puxar uma alavanca para deixá-la solta. Alinhávamos a parte superior à parte inferior do sulfite e devolvíamos a alavanca para a posição inicial. Voltávamos a manusear o botão giratório até que o papel estivesse na posição correta.
Minha mãe também havia me mostrado como “bater” uma letra maiúscula ou minúscula, como retornar para uma letra batida por engano – era preciso marcar uma outra letra por cima, o que deixava o papel rasurado –, como mudar a cor da letra (a fita permitia escrever em preto ou vermelho) e a usar a letra l como número 1.
Minha mãe já havia me alfabetizado, me ensinado a ler histórias em quadrinhos (Disney e Turma da Mônica), me incentivado a desenhar e tantas outras coisas. Ela nunca teve vocação para o comércio ou para ganhar dinheiro. A minha herança foi o contato com diferentes manifestações culturais desde muito cedo.
Ainda hoje sou completamente inábil com questões financeiras. No entanto, é evidente a diferença entre mim e outras pessoas que não tiveram a mesma oportunidade na primeira infância. Não que eu seja melhor ou pior, apenas diferente. Gosto de ler, gosto de desenhar, gosto de tocar e cantar, gosto de escrever. Nada disso me trouxe dinheiro. Nunca serei rico, nunca terei uma vida fácil. Não sou exemplo para ninguém.
Apesar de tudo isso, sou muito feliz com a pessoa que me tornei. E devo isso à minha mãe.
José Fagner Alves Santos
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Sobre o autor
José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.