Precisamos falar sobre o excesso de informação
Quando eu era moleque, por volta dos meus 16 anos, desenvolvi o hábito de passar na vídeo locadora duas vezes ao mês, sempre às sextas feiras. Minha mãe tinha acabado de comprar um videocassete e este se tornou, rapidamente, o brinquedo de toda a família. Para quem não sabe o que é um videocassete, recomendo que faça uma pesquisa rápida no Google ou Youtube.
A locação de cada fita custava três reais. O prazo para a devolução era de 24 h. Caso a gente locasse três filmes, o quarto sairia de graça. Sem falar que, nesse caso, teríamos 48 h para devolver. Por causa disso, eu locava sempre às sextas feiras. Como a locadora não abria aos domingos, eu só devolvia a fita na segunda. E deveriam estar rebobinadas, ou pagaríamos multa por isso.
O catálogo da locadora que eu frequentava era um tanto limitado. Como eu morava numa cidadezinha no interior da Bahia, aquilo que hoje eu chamo de limitação, era um universo de possibilidades. Os filmes demoravam um pouco para chegar até nós. Depois que deixava de ser exibido nos cinemas havia uma demora de, pelo menos, seis meses até que o filme chegasse como lançamento na locadora mais próxima da minha casa.
Também é importante dizer que, há 20 anos, três reais não era a mixaria que é hoje. Não que fosse uma grande fortuna, mas havia uma proximidade maior entre o valor do real em comparação com o dólar (se você tiver a cotação exata, me conte).
Não preciso dizer que as coisas mudaram desde então. O gasto que tenho atualmente com serviços de streaming é muito inferior; as opções do catálogo são muito maiores; a comodidade de não ter de ir até a locadora para tentar escolher um filme que pudesse agradar a toda a família é libertadora.
No entanto, queremos sempre mais. Um único serviço de streaming parece não nos satisfazer. Cinema, TV a cabo, sites de streaming pirata, torrent e sabe-Deus-mais-o-quê, servem como complemento para essa nossa fome insaciável de entretenimento. E, por causa disso, temos perdido nosso poder de concentração. É muito difícil manter a atenção numa única coisa, num filme de duas horas ou mais, numa série com não sei quantos episódios. A solução encontrada pelos roteiristas é elaborar roteiros sensacionalistas, daqueles que o espectador mal consegue respirar. A profundidade é quase sempre sacrificada no altar das emoções.
Vejo uma moçada com 30 anos ou mais que só assiste a filmes de super-heróis ou similares. Nada contra o gênero em si, mas é triste que esse pessoal não consiga sair disso. Quando o assunto deixa de ser o entretenimento e passa para o campo da informação é que temos o desastre consolidado.
Tudo que eu disse sobre a melhoria na criação e distribuição de filmes e séries pode ser aplicado ao jornalismo em si. É muito mais fácil se informar ou resgatar alguma matéria importante hoje do que era há 20 anos. O grande problema é a quantidade maciça de informação que nos chega diariamente. Não há tempo para ler tudo. A maioria das pessoas não tem treino para diferenciar um conteúdo de entretenimento (fait diver) de algo realmente importante.
Para isso serviam as capas de jornal. Mas quem lê jornal atualmente? Quem faz a curadoria do conteúdo que consumimos atualmente só está preocupado com o número de cliques que vai receber. Se a informação é real ou relevante pouco importa.
Minha argumentação pode parecer exagerada, mas quantas vezes você já se viu saturado pelo excesso de informação que chegam até você diariamente? Quantas vezes você sentiu vontade de desligar todos os eletrônicos e ouvir o silêncio ao seu redor? Enquanto continuarmos nesse estado de estupor será muito mais fácil acreditar no marketing do partido X ou Y. Será mais fácil acreditar na desculpa esfarrapada daquele líder religioso investigado no caso de lavagem de dinheiro.
Precisamos dar um passo atrás para dar dois à frente. É necessário selecionar melhor as informações que consumimos, bem como o volume diário dessas mesmas informações. Talvez assim consigamos fazer melhor uso dos recursos que dispomos atualmente.
José Fagner Alves Santos
Sobre o autor
José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.