Obrigado

Fato curioso em voltar para a minha cidade natal depois de tanto tempo é que, a cada esquina surge meia dúzia de lembranças. Algumas bem embaraçosas, outras com extremo potencial de me fazer chorar. “Foi naquela esquina que ela me deu o primeiro beijo”, ou então, “foi bem ali que o pai dela nos viu juntos pela primeira vez”.

Entre as lembranças embaraçosas estão coisas como: “olha só, foi bem ali que a minha banda se apresentou durante aquele festival!”, ou pior, “foi nessa pracinha que recebemos vaias por tentar tocar death metal na terra do axé”. Quem nunca?

Acredito que todo mundo tenha passado, em maior ou menor grau, por situações constrangedoras. Situações que todos nós gostaríamos de esquecer. Mas foram essas experiências que nos trouxeram até aqui.

Lembro com certa vergonha da época em que andava vestido com calças cheias de rasgos na perna, calçando coturno, com o cabelo cortado em estilo moicano. Sim, eu fiz idiotices desse nível.

A Casa da Cultura – local dedicado aos artistas regionais – está fechada. O Museu do Lavrador não existe mais. Nossa biblioteca ainda funciona.

Pululam blogs policiais e eventos dedicados ao mangá e ao anime. Quase sempre com nomes pretensiosos como: “Evento de Cultura Japonesa”, mas que se resumem a reuniões de garotos fantasiados como seus personagens favoritos, fazendo um arremedo de combate medieval, usando pedaços de cano como espadas e escudos feitos de madeirite.

A principal banda de pop rock ainda está lá. Continuam tocando covers de sucessos dos anos de 1970 e 80.Presença garantida em todas as festas municipais. A igreja de São Roque, na Praça Rui Barbosa ainda está lá, firme e forte. Os jovens continuam usando a missa de domingo como ponto de encontro para namorar. Te procurei entre as moças.

Passei em frente à casa em que você morava. Fiquei um tempo olhando, esperando que você saísse na janela. Já faz muitos anos.

Você não está aqui. Nossa história quase deu certo. Se eu tivesse sido um pouquinho mais maduro… Se alguém tivesse me avisado que doeria tanto te perder… Se alguém tivesse me avisado que a dor nunca passaria… Se alguém tivesse me avisado que, depois de oito anos, eu continuaria acordando aos prantos no meio da madrugada, pensando em você.

Hoje eu tenho maturidade para saber que errei, para sentir vergonha pelos meus erros, para reconhecer o quanto fui idiota. Hoje eu sei que você está feliz, longe de mim, das minhas mentiras, do meu exibicionismo, das minhas limitações. Hoje eu sei que você prefere não se lembrar de mim, não se lembrar que eu existo, ou que um dia sonhou em ser minha esposa.

“Torna-te quem tu és”, escreveu Nietzsche. Eu tenho seguido esse conselho com todas as minhas forças. A cada boa ação, a cada sacrifício pelo outro, a cada gesto de integridade, a cada ato de repúdio à mentira – mesmo quando a verdade é dolorosa -, a cada nova conquista, é para você que estou me exibindo. Mesmo sabendo que você nunca verá. Mesmo sabendo que nunca lerá essas linhas. Hoje eu sou uma pessoa melhor e devo isso a você. Só queria dizer obrigado.

Chorei.

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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