Nossa vontade de não ser brasileiros

Acho curioso quem diz que gosta de frio. Fico tentando entender a lógica quando dizem que as pessoas se vestem melhor, que todos ficam mais elegantes. A verdade é que, precisamos usar mais roupas ou roupas mais longas. É preciso proteger as regiões do corpo e isso nos faz usar casacos gigantes, meias, luvas, toucas, cachecóis. Pode até ser que fiquemos mais elegantes, mais apresentáveis, já que escondemos nossos corpos deformados com várias camadas de pano, mas ficamos também mais pesados, mais lentos, menos produtivos.

Quando eu estudava na Escola Agrícola, torcíamos para que não chovesse enquanto estivéssemos na aula de campo. A chuva era muito bem-vinda, era a certeza de colheita farta, mas trabalhar debaixo de chuva, suportando a lama e o frio, não era algo agradável. Por incrível que pareça, era preferível trabalhar embaixo do Sol escaldante.

Nesse último final de semana, enquanto editava o livro de um amigo (será um lançamento surpresa nos próximos meses), senti um desconforto nos dedos. O frio estava fazendo minhas mãos doerem. Colocar as luvas tornava impossível usar o teclado do computador. Resultado? Trabalho mais lento, quase parando.

Eu imagino que, em países acostumados ao frio – Canadá, Rússia, EUA, Noruega e tutti quanti – não exista esse problema. As casas devem ter calefação, água quente encanada, isolamento térmico e sei lá mais o quê. Aqui no Brasil, um país de dimensões continentais que vive um eterno verão, sempre somos pegos desprevenidos quando atacados por uma frente fria. A maior parte dos lares não tem tantos recursos para lidar com temperaturas abaixo de 10 graus.

Mas todos podem se vestir de modo elegante, dormir enrolados com grossos cobertores ou edredons e sempre usando meias, como todo bom burguês. Por que será que é tão difícil aceitar a nossa condição de país tropical? Por que será que teimamos em macaquear uma realidade que não é a nossa? Os três estados da Região Sul têm lá suas justificativas, mas o resto de nós…

Em breve será Natal. Teremos, como em todos os anos, uma ornamentação que nos remeterá à neve e aos pinheiros como árvores ornamentais. Fazemos de conta que não estamos no meio do verão, com temperaturas de quarenta e poucos graus. Mas esse é o nosso Brasil, um país em que o povo nega sua identidade para que possa arremedar cenários idealizados que nos chegam pelo cinema.

No próximo mês teremos o começo da primavera. Até lá, continuaremos fingindo que não somos brasileiros.

José Fagner Alves Santos

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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