Mostra traz a exploração da mulher negra de forma nunca antes vista
Considerado um dos países mais racistas do mundo, o Brasil enfrenta ainda um segundo problema que é o não reconhecimento de tal preconceito por muitos brasileiros que já cometeram atitudes racistas. Em São Paulo, principalmente, é cada vez maior o número de livros, mostras, peças, entre outros itens culturais, que vêm se dedicado a abordar temas ligados a questões de raça e de gênero, por exemplo. Quem for a Pinacoteca de São Paulo, até o dia quatro de março de 2019, poderá conferir uma exposição sobre a exploração da mulher negra de uma forma nunca antes vista. É a mostra Rosana Paulino: a costura da memória.
Nascida em São Paulo, a artista ecoa uma voz singular e gritante por meio de suas obras. Elas ressaltam, de forma ousada, especialmente por meio da gravura e da costura, as vozes de tantas mulheres negras que foram caladas.
A exposição está ambientada em três espaços. Logo que entramos, nos deparamos com um dos destaques da artista, a obra Parede da memória. Localizada na sala principal, ela é composta por 1500 “patuás” – peças consideradas amuletos de proteção por religiões de matriz africana – que trazem retratos de onze famílias, as quais parecem encarar o público e atentam para a invisibilidade dos negros e das negras que não possuem identidade e se mantém no anonimato para a sociedade.
Na sala seguinte encontramos uma obra, diante da qual é impossível manter-se indiferente a ela: Tecelãs. Nela vemos a retratação de miniaturas de mulheres envoltas em casulos numa grande crítica metafórica às prisões impostas as mulheres que são impedidas de “transformar-se em borboleta”, ao serem privadas de suas liberdades e de seus direitos. Essa geniosa relação não somente da fauna, como da flora com as mulheres é explorada ao longo de outros trabalhos seus.
Na outra sala nos deparamos ainda mais com essa relação pela forma como a artista “brinca” com as imagens, estabelecendo uma ligação com a iconografia do século XIX, numa análise crítica a maneira como os viajantes europeus enxergavam os africanos escravizados. Um olhar preconceituoso que descaracterizava esses escravos, os quais eram vistos de modo semelhante a fauna e a flora e foram transformados em objetos da ciência.
É o que percebemos na instalação Assentamento, que expõe o corpo de uma mulher negra desumanizada por sua condição e que volta a se humanizar pela artista que lhe devolve alguma humanidade, dando-lhe coração, raízes e reconstituindo sua integridade pela costura das partes.
Enfim, cada trabalho exibido nesta mostra nos inquieta e nos provoca de uma forma muito particular sobre as prisões atribuídas às mulheres negras, que foram, por anos, condicionadas, unicamente, ao trabalho manual e ao espaço doméstico. O anonimato e a submissão dessas mulheres frente a uma sociedade patriarcal, predominantemente branca, se apresentam de diferenciadas e inusitadas formas graças ao trabalho criativo de Rosana e nos faz refletir como muito dos casulos seguem a aprisioná-las ainda nos dias de hoje.
Fotos Mariana Mascarenhas (clique na imagem para ampliá-las)
Serviço:
Rosana Paulino: A Costura da Memória
Curadoria de Valéria Piccoli e Pedro Nery
Onde: Pinacoteca: Praça da Luz, 2, São Paulo – SP
Quando: de quarta a segunda, das 10h às 17h30 – com permanência até às 18h
Quanto: R$ 10 (inteira)
Até 4 de março de 2019
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Sobre o autor
Mestra em Ciências Humanas. Jornalista. Especialista em Metodologia do Ensino na Educação Superior e em Comunicação Empresarial.
Assessora de Comunicação. Blogueira de Cultura e de Mídias.
Sou apaixonada por programas culturais – principalmente cinema, teatro e exposição – e adoro analisar filmes, peças e mostras que vejo (já assisti a mais de 150 espetáculos teatrais). Também adoro ler e me informar sobre assuntos ligados às mídias de modo geral e produzir conteúdos a respeito.