Menos pose, mais conhecimento

O cansaço tem afetado meu desempenho há algum tempo. Tenho errado nomes e datas, confundido histórias, misturado enredos, trocado autores.

Creio que esteja cedo para a demência começar a apresentar seus primeiros sinais, por isso atribuo esses sintomas às inúmeras noites mal dormidas nos últimos oito anos.

Fiz um esforço para começar um período sabático em 2021, mas ainda não foi possível. Desacelerei nas leituras, mudei de emprego, mas ainda não consegui resolver o problema do sono.

A preocupação começa a se tornar uma constante. Como a memória sempre foi minha única habilidade, estou me esforçando para conseguir dormir ao menos sete horas por noite.

Diante da minha nova postura em relação à minha saúde mental, tive de ouvir de alguém próximo certo desdém sobre minhas preocupações intelectuais. “Fulano ganha mais do que você e não precisou estudar tanto. Tampouco fica tão preocupado quando esquece um nome ou uma data. Isso é besteira.”

Existe certo reducionismo no ato de enxergar apenas a função pragmática da educação. Mais impressionante é o ódio que faz desconsiderar questões de saúde pela simples necessidade de ofender a classe intelectual.

É muito comum encontrar pessoas que cultuam os títulos acadêmicos, mas desprezam o conhecimento.

Logo no início do livro Triste Fim de Policarpo Quaresma, o autor Lima Barreto descreve assim o protagonista da história:

“Não recebia ninguém, vivia num isolamento monacal, embora fosse cortês com os vizinhos que o julgavam esquisito e misantropo. Se não tinha amigos na redondeza, não tinha inimigos, e a única desafeição que merecia fora a do doutor Segadas, um clínico afamado do lugar, que não podia admitir que Quaresma tivesse livros: “Se não era formado, para quê? Pedantismo!””

Variações dessa mesma crítica estão presentes no restante da obra. Essa é uma crítica constante também na obra de Machado de Assis e muitos outros autores. Um esquete do grupo Porta dos Fundos satiriza essa concepção de mundo.

Para aqueles habituados a cultivar o intelecto – mesmo minimamente, como é o meu caso – toda e qualquer alteração das suas capacidades cognitivas será vista como algo para se preocupar. Para todos os outros, ela mal será percebida.

Uma boa semana para você.

José Fagner Alves Santos

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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