Jornalismo e o efeito Werther

Nunca se sabe quem vai consumir a informação que você está divulgando, e é exatamente por isso que todo cuidado é pouco.

Final de tarde. O mate quente em minha caneca está um tanto amargo. Procuro, na internet, notícias sobre a minha cidade natal. Nenhum site digno de nota. Tudo que encontro são blogs sensacionalistas. Textos mal escritos, fotografias de cadáveres, de pessoas esfaqueadas, vítimas de acidentes.

Os sites, inclusive, se auto republicam o tempo todo. Na maioria das vezes não há mudança nem no título. As fotografias são adquiridas por meio de parcerias com policiais, sócios dos blogs em questão. O texto é, invariavelmente, copiado do boletim de ocorrência (B.O.). Esse tipo de blog abunda no Nordeste brasileiro.

O público alvo desse tipo de veículo é, na maioria das vezes, composto por pessoas de baixa instrução que buscam o bizarro, o sensacional, o patológico.

Franzi a testa enquanto dava mais um gole no mate amargo. Fiquei tentando calcular o estrago causado pela existência exclusiva desse tipo de comunicação naquela cidade. Não tenho dados que comprovem o efeito prejudicial que esse tipo de conteúdo pode criar, mas me lembrei do “efeito Werther”.

Em 1774 o escritor alemão, Johann Wolfgang von Goethe, publicou o livro “Os sofrimentos do jovem Werther”. A obra se tornou um marco do romantismo alemão. Logo depois de sua publicação uma série de suicídios ocorreu por toda Europa.

De tão envolvente, o livro levou muitos jovens a copiarem o comportamento do personagem principal. Com o passar do tempo comunicólogos e cientistas começaram a notar uma correlação entre a publicação de notícias sobre pessoas que se matavam e o aumento na incidência de suicídios nos dias posteriores à publicação. Além disso, cientistas constataram que havia também um aumento no número de mortes por acidentes automobilísticos e aéreos no mesmo período.

Ao que parece, muita gente forjava um acidente para não assumir um suicídio. Para quem ficou interessado, recomendo que leia “As armas da persuasão”.

Esse fator ficou conhecido como “Efeito Werther”. Por conta dele é que veículos de comunicação – ao menos os que buscam fazer um trabalho sério – tomam certos cuidados ao falar de suicídio.

O mate amargo já havia acabado. Minha caneca já estava vazia, mas minha cabeça estava cheia. Se notícias sobre suicídio fomentava mais suicídios (explícitos ou disfarçados), qual o efeito colateral criado pelo excesso de publicações sanguinolentas ilustradas com fotografias de gosto duvidoso?

Não tenho a resposta. Talvez esteja sendo alarmista, talvez não haja problema algum. No entanto, acredito que uma pesquisa séria sobre o tema não faria mal a ninguém.

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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