Espetáculo sobre Leopoldina nos convida a analisar a história criticamente

Foto Jack Brandão

Até que ponto os livros de história estão nos dizendo a verdade sobre o processo da Independência do Brasil? E o que seria essa verdade? Como um passado tão distante parece estar mais vivo do que nunca num momento tão conturbado que vivemos atualmente? Essas e outras questões são colocadas no espetáculo Leopoldina: Independência E Morte, peça que nos convida a desconstruir determinadas “verdades” já rotuladas na formação educacional.

Do autor e diretor Marcos Damigo, o espetáculo traz a recriação de três momentos distintos da vida da arquiduquesa austríaca (papel de Sara Antunes) que virou imperatriz no Brasil: sua vinda ao país, a paixão por Dom Pedro I e suas primeiras impressões do Brasil; seu relevante papel político numa nação em profunda transformação após a proclamação da independência e, por último, as desolações que lhe tomaram intensamente nos seus últimos dias de vida.

Primeira esposa do imperador D. Pedro I e primeira mulher a se tornar chefe de Estado no Brasil, Maria Leopoldina é considerada a principal articuladora do processo de Independência do Brasil. No entanto sua relevância política foi minimizada à época, especialmente por ser mulher, e tal minimização se reflete na forma como a história nos é contada até os dias atuais.

A peça começa em formato de monólogo, em que Leopoldina discorre para o público sobre os costumes brasileiros, a cultura, a língua e outros aspectos que continuam a dialogar com a contemporaneidade. A seguir entra em cena José Bonifácio (Joca Andreazza), declarado como Patriarca da Independência, com quem ela trava um longo discurso sobre a conturbada situação política do país, já assolado pela corrupção e marginalização das classes desfavorecidas, seguido pela cena de Leopoldina ao chão, desolada com tantas traições amorosas e políticas.

Se num primeiro momento o ritmo cênico é mais estável, com a narrativa da personagem sobre as impressões do Brasil, nos momentos seguintes somos levados a adentrar numa tensão contínua e gradativa, conforme a protagonista revela suas lutas e anseios diante de uma nação que parece se afundar. Mesmo em meio às traições sofridas, a imperatriz, ao menos externamente, buscou permanecer forte diante de uma sociedade machista, preconceituosa e capciosa.

Os diálogos cênicos, embora referentes ao período da Independência, nos convidam a pensar como passado e presente estão interligados de uma forma muito mais vivaz do que possamos imaginar.  As misérias sociais, desigualdades, corrupção, perseguições políticas entre diversos outros aspectos, citados no drama, embora em contextos distintos continuam a permear a sociedade brasileira. Outra reflexão levantada é como a história pode ser moldada, sendo contada da melhor forma que convém para os ditos superiores que, mesmo não sendo, precisam tornar-se os protagonistas dos fatos.

Será que houve mesmo o grito do Ipiranga? O caráter heroico e pomposo atribuído a proclamação da Independência como retratado nos livros e obras de arte não passaria de uma construção imagética comparado ao que realmente aconteceu? O espetáculo não coloca respostas, e nem deveria, mas nos incita a olhar criticamente os acontecimentos a fim de refleti-los, não aceitando passivamente tudo o que nos é imposto. Afinal, quantos heróis não se constroem ao longo da história para que ela seja grandiosa e que eles sejam exaltados como tal, pois quem é que gostaria de ser esquecido?

E se a independência realmente ocorreu de outra forma? Ela seria lembrada como é hoje? Por isso trata-se de um excelente espetáculo para analisarmos como nem tudo é o que parece ser e como muitas construções precisam ganhar aspectos cinematográficos para se tornar história. O “tem de ser assim” torna-se imperativo para que não reflitamos e, assim, absorvamos os fatos como são contados. A importância de obras como essa são essenciais para resgatar personagens históricos ditos secundários e que precisaram ser minimizados, pois não seria conveniente para determinadas classes detentoras de poder exaltar suas heroicidades. Fatores que continuam a nos assolar, especialmente nestes períodos conturbados em que o Brasil se encontra.

A atuação de Sara Antunes é envolvente, especialmente na dramatização das angústias vividas por Leopoldina, chegando a emocionar e, ao mesmo tempo, levar-nos a adentrar no mundo dessa personagem que tanto lutou contra as injustiças sociais, cansada de tantas agruras e de uma politicagem voltada unicamente aos privilégios, como ela tanto reforça ao final. Vale a pena conferir e entender por que “Independência E Morte” ao invés de “Independência Ou Morte”, intitulam a peça.

Serviço:

Leopoldina: Independência E Morte

Onde: Centro Cultural Banco do Brasil: Rua Álvares Penteado, 112, Centro, São Paulo – SP

Quando: segunda a sábado às 20h e domingo às 18h (fechado as terças)

Quanto: R$ 20 (inteira) / R$ 10 (meia)

Até 21 de junho de 2018

Sobre o autor

+ posts

Mestra em Ciências Humanas. Jornalista. Especialista em Metodologia do Ensino na Educação Superior e em Comunicação Empresarial.
Assessora de Comunicação. Blogueira de Cultura e de Mídias.
Sou apaixonada por programas culturais – principalmente cinema, teatro e exposição – e adoro analisar filmes, peças e mostras que vejo (já assisti a mais de 150 espetáculos teatrais). Também adoro ler e me informar sobre assuntos ligados às mídias de modo geral e produzir conteúdos a respeito.


Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Últimas publicações