Esperando o sorriso da Fortuna

Se existe uma constante nas festas de fim de ano e na data do meu aniversário é esse sentimento de que a vida é transitória. Vou ficando mais velho, nem sempre mais sábio. A maior parte dos meus anseios ainda não se concretizou, mas, de acordo com a tradição popular, é preciso acreditar que nesse novo ano as coisas irão mudar.

Tudo isso não passa de um flatus vocis. Já não sou tão criança assim. Estou cansado de mentir para mim mesmo. Conheço minhas limitações, tenho uma boa noção do funcionamento da sociedade em que vivo. Sei que não basta ter talento, não basta ser esforçado, não basta ter sorte, não basta acreditar. É preciso uma conjunção de vários fatores para que as coisas se realizem. O número de pessoas extremamente talentosas que morrem no ostracismo é realmente impressionante. A deusa da fortuna nem sempre nos sorri.

Acho que todos nós conhecemos alguém. Sempre tem um pintor habilidoso, uma cantora afinada, um professor dedicado, um cozinheiro fantástico, uma escritora genial. Essas pessoas servem de influência para muitos outros dentro do seu círculo de amizades. São despertadores intelectuais que, talvez por uma grande maré de azar, nunca atingem o reconhecimento público. Alguns se realizam plenamente dentro de seus microuniversos. Outros são atingidos pela frustração e nunca se recuperam. O fato é que a vida passa rápido e é preciso estar ciente da passagem do tempo. Acredito que assim fica menos difícil de encontrar seu lugar no mundo.

Tudo isso nos remente à grande reflexão sobre a vida feita por Ernest Hemingway em seu livro O Velho e O Mar. Na última grande obra desse autor acompanhamos a história de um velho pescador que já não consegue ter sucesso nas suas empreitadas. O garoto, seu antigo discipulo – algumas vezes por gratidão, outras por pena – tenta ajudar como pode, mesmo tendo recursos muito limitados. O velho, por sua vez, não se dá por vencido e continua a luta pela sobrevivência, numa profunda reflexão sobre o sentido da vida.

Foi o velho quem iniciou o garoto nas artes da pescaria, ele foi seu despertador intelectual, mas agora que o garoto já está pronto, agora que o garoto já está pescando com outra equipe, num barco melhor, com melhores resultados, o velho precisa continuar sua luta pela própria existência.

Não vou contar o final da história, mas quem já leu sabe que a maré de azar – uma sucessão de fatores aleatórios de valor negativo – pode destruir a esperança e os esforços do mais forte dos homens. E é em momentos como esses que as amizades nos são tão importantes. É preciso se despir do orgulho e da vaidade para entender que o ser humano é um animal social. Sem as relações sociais ainda estaríamos fugindo dos grandes predadores no meio das savanas.

É por isso que quero começar com dois conselhos que me são muito caros: 1) conserve suas verdadeiras amizades. Hoje elas precisam de você, amanhã você pode precisar delas; 2) A literatura é uma poderosa ferramenta para que possamos experienciar situações que seriam muito difíceis de outra forma. Cultive as boas leituras. Os clássicos são clássicos por algum motivo. Segundo Ezra Pound, os clássicos não são assim chamados por obedecer determinadas regras estruturais, ou por se ajustar a determinadas definições, mas por conter uma juventude eterna e irreprimível. Muitas vezes não estamos prontos para determinado livro, mas não desista, em algum momento aquele conteúdo fará muito sentido para você.

Vamos iniciar mais essa jornada. Que a deusa da fortuna nos seja caridosa.

José Fagner Alves Santos

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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