Escrever ou escrever

Aproveito o espaço para dar um recado ao amigo Jefferson, o gafanhoto. A escrita só pode ser desenvolvida mediante a prática diária.

Quem aprecia os romances policiais certamente já deve ter lido Raymond Chandler. Seu estilo irônico, muitas vezes cínico, é fascinante. Na verdade, ele conduziu o romance policial a um novo patamar literário. E talvez tenha conseguido essa façanha graças à sua diversificada experiência de vida e à sólida formação intelectual que recebeu na juventude, na Grã-Bretanha. Outro fator, nada desprezível, é ter lançado o primeiro romance com 51 anos de idade, ainda que, antes, tenha publicado contos, ensaios e poemas. Trata-se, portanto, do companheiro perfeito para Graciliano Ramos e Joseph Conrad, que iniciaram a carreira literária depois dos 40 anos.

Numa carta a Alex Barris, Chandler explica o método que criou para escrever todos os dias — um ritual que considero perfeito, de simplicidade admirável, e que todos deveriam seguir. Ele afirma ter apenas duas regras: a) Você não precisa escrever; b) Você não pode fazer mais nada, a não ser escrever.

Chandler explica: “O que faço no dia a dia? Escrevo quando posso e não escrevo quando não posso; sempre ao amanhecer ou na primeira parte da manhã”.

E completa: “O importante é que haja um espaço de tempo, digamos quatro horas por dia, no mínimo, quando um escritor não faz nada mas escreve. Ele não precisa escrever e, se não tiver vontade, não deve tentar. Pode olhar pela janela, ficar de cabeça para baixo ou se contorcer no chão. Mas não deve fazer nenhuma outra coisa positiva: não deve ler, escrever cartas, olhar revistas ou preencher cheques. Ou escreve ou não faz nada. E acho que funciona”.

Para Chandler, bastava seguir essas duas regras — e “o resto viria por si mesmo”.

E você? Já criou sua própria rotina? É uma prática fundamental, acredite. Não importa se você é romancista ou copywriter, poeta ou ensaísta. O segredo está em se obrigar à escrita, em forçar seu cérebro a produzir todos os dias.

A rotina libertará você. E permitirá que supere, inclusive, os dois principais erros que muitos escritores cometem: a impaciência e a indolência. Seguir as duas regras de Chandler ensinará você a não ter pressa se quiser atingir seus objetivos, porque escrita e ansiedade não combinam. E você também deixará de ser preguiçoso, pois terá de estar, todos os dias, no mesmo horário, na sua mesa de trabalho, condenado a não fazer mais nada, a não ser escrever.

Talvez passe a primeira semana roendo as unhas, divagando, ou se contorcendo no chão como um louco. Mas depois a pressão aumentará: quem suporta ficar quatro horas todos os dias sem fazer nada? Só existirão, assim, duas opções: começar a escrever ou desistir.

Espero, sinceramente, que você não desista. E, outra sugestão, comece devagar: nada de quatro horas de trabalho. Mas vá impondo a si mesmo uma rotina crescente, de maneira que você se torne dono da sua vontade.

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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