Escatologia política

E os ânimos ficaram agitados no começo desta semana, depois da publicação do relatório sobre as “pedaladas fiscais” e os créditos suplementares. Ambos os lados – como se só existissem dois -, pró e contra impeachment, pareciam ter sólidos argumentos para corroborar seus respectivos pontos de vista. Mas a verdade é que, como escreveu a Eliane Cantanhêde, esse relatório não muda nada. Então, por que todo esse estardalhaço? Simples, porque nós, brasileiros, raciocinamos de forma binária. Talvez não seja um problema do brasileiro, talvez seja algo típico dos seres humanos, principalmente os ocidentais.

Somos todos devedores, em alguma medida, da tradição cristã, do dualismo entre bem e mal. Demorei a perceber que a política está – já há algum tempo – assumindo características de credo religioso, dogmático. “A política moderna é um capítulo na história da religião”, escreveu o filósofo John Gray no primeiro capítulo do seu livro Missa Negra – Religião apocalíptica e o fim das utopias.

Não podemos esquecer que, durante a idade média, eram comuns os movimentos inspirados na crença de que a história estava chegando ao fim. O cristianismo, religião que dava origem a tais movimentos, foi perdendo força ao longo do tempo. No entanto, as crenças apocalípticas se reafirmaram com base em movimentos seculares.

Tudo isso veio evoluindo até chegar ao atual cenário político. Acreditamos que este ou aquele candidato será a solução para todos os nossos problemas, enquanto seu opositor é a personificação do mal. Num país de fervor católico, como é o Brasil, as pessoas nem se dão conta de que as promessas de um novo mundo, propostas originalmente pela religião, foram substituídas pelos credos seculares da esquerda e da direita.

Um grupo acusa o outro de ser a encarnação demoníaca, enquanto jura, candidamente, representar os mais elevados interesses democráticos. É a religião do profeta Mani, revestida do pseudocientificismo iluminista, voltando a ganhar território.

Nada contra as religiões, mas não venham se fingir de céticos para cima de mim.

 

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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