Entre o Bem e o Mal

Disfarçado sob as mais diversas roupagens, nenhuma questão está mais presente nos diálogos ocidentais que a questão do dualismo entre bem e mal. Talvez mais importante que saber o que é bom ou mau seja saber quais são os interesses que fazem com que alguém decida se algo lhe faz bem ou mal.

Não importa qual o assunto: política, família, religião, futebol ou simplesmente comer ou não comer um simples ovo frito, no meio do assunto, em algum momento, vai surgir algo ligado a termos dualísticos, se faz bem ou mal, e ainda mais complicado – se faz mais bem ou menos mal.

Durante a Idade Média houve um período de mais de quinhentos anos conhecido como a Santa Inquisição Católica. Durante aquela janela temporal, todas as pessoas que direta ou indiretamente desafiavam o poder da Igreja ou do Estado (ambos os poderes se confundiam) eram prejulgadas e condenadas como hereges, bruxos ou algo que o valha.

Era ruim para o réu, que poderia nem saber pelo que estava sendo condenado. Mas era bom para o denunciante que ganhava as bênçãos da Igreja. Era ótimo para o Estado e para a Igreja, pois eles caçavam todos os bens por até quatro gerações da família dos condenados.

Cheguei na Bahia em 1993. À época, cansei-me de ouvir os baianos, ao comentarem sobre seu político mais influente naqueles dias, Antônio Carlos Magalhães, uma frase que equivale a dizer que ele não era bom nem mal, ou talvez que fazia mais bens que males. A frase era: “Rouba, mas faz”!

Portanto, o cara era um lobo para o dinheiro público, mas fazia algo para alguns e para estes representava o cordeiro divino.

Quando mencionamos o nome de Adolf Hitler as pessoas automaticamente trazem à memória imagens de corpos jogados em valas, pessoas morrendo de inanição, câmaras de gás e talvez os exércitos de jovens sendo preparados na doutrina nazista desde os dez anos de idade. Mas será que Hitler se resume a esses ou outros males?

Hitler, ao tomar o poder na Alemanha, buscou gerar emprego e prosperidade para os alemães, estimulando a indústria baseada na produção de bens de consumo e incentivando abertura de novas empresas. Nesse período surgiu a Volkswagen.

Os nazistas contribuíram para tecnologia dos foguetes, campanhas de preservação da natureza, antitabagismo, e embora questionáveis devido à sua metodologia, seus experimentos com seres humanos possibilitaram alguns avanços científicos. E tem os fertilizantes, os coletes salva vidas (…) enfim, foi mau, mas foi bom também. Depende muito do ponto de vista.

E podemos ir muito além.

Feminismo e machismo são maneiras de pensar e decidir as relações. Eles são bons ou ruins?

Política, religião e questões de gênero e raça sendo discutidas em sala de aula são bons ou ruins para o desenvolvimento intelectual e social das crianças?

Jair Messias Bolsonaro é bom ou ruim para o Brasil?

Aí depende.

Ele já disse que não gosta de “coitadismo”, disse que os pretos são pesados em arroba* e seu vice já repetiu o arcaico discurso sobre a preguiça e malandragem dos índios e pretos.

Considerando que preguiça e trabalho estão relacionados, assim como carro e motorista ou pais e filhos, não há como, diante de tais declarações, não falar das questões trabalhistas.

Pode-se dizer que os direitos trabalhistas no Brasil começam com os trabalhadores imigrantes durante o século XIX, e pelos pretos libertos ao fim daquele mesmo período, são ampliados ao longo do século XX, especialmente a partir do governo de Getúlio Vargas, até seu ápice em 2012 com a aprovação da PEC 66, popularmente conhecida como PEC das Domésticas.

A partir daí, segundo alguns, começou um processo progressivo de contenção de acesso aos direitos trabalhistas. Começou em 2015, quando foram mudadas as regras de pagamento do PIS, gerando economias para o governo e prejuízos para os beneficiários.

De lá pra cá se observou o enfraquecimento dos sindicatos de categorias, a aprovação de uma reforma trabalhista que permitiu a terceirização irrestrita de mão de obra e, ao que tudo indica, em breve teremos a Reforma Previdenciária.

Mas tem o outro lado. Há quem diga que a Reforma Trabalhista, por facilitar os processos demissionais, facilitará também as contratações. Algo como o que acontece no rotativo mundo dos call centers.

Para os adeptos da perspectiva Taylorista, as mudanças no processo de aquisição das seguridades sociais e previdenciárias impedirá o culto ao comportamento indolente. Seguidores de filosofias quilombolas e indígenas que se cuidem!

Portanto, mais uma vez depende dos interesses de cada parte envolvida no processo.

Por exemplo, para quem gosta de Counter Strike e GTA, uma ótima notícia: o “projeto” armas para todos.  Nada melhor que trazer a fantasia para o mundo real.

Para o dono da Havan e demais empresários, a ampliação da Reforma Trabalhista e Previdenciária. Valerá cada centavo usado numa campanha desinteressada.

E para quem segue os bispos, apóstolos e demais santidades do mercado gospel, a promessa de que “Deus” estará acima de tudo e de todos, algo como um governo teocêntrico. De preferência sem uma nova versão da Santa Inquisição. Afinal, talvez nem Deus explique como um acessor parlamentar que ganha 23 mil reais por mês consegue movimentar quase sete milhões em três anos. Mas isso é assunto para outro momento.

Por hora basta-nos ponderar que sempre haverá os insatisfeitos, e se não for eu, será você ou o cara ao lado. O que importa é o bem da maioria? o bem das minorias? o meu? Todas as respostas estão certas e argumentos para justificá-las jamais faltarão.

Seria bom manter a espada em riste para que não nos ocorra o mesmo que aos animais da Revolução dos Bichos de Orwell, que depois de conseguir sair de um sistema que julgavam opressor permitem o surgimento de um totalitarismo ainda pior sob o governo dos porcos Bola-De-Neve e Napoleão.

E se você acha que falamos muito em dualismo e quase nada em dualidade – bem, é que ela quase não existe mesmo.

 

*Nota: No Brasil uma arroba equivale a 15 quilos e é usada na pesagem de bovinos e suínos.

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