Do claro ao escuro: “Giù la testa”(1971)
Tempo de leitura: 4 minutos
Subestimada (outra) obra-prima, escrita por dois – Leone e Donati – dos três grandes Sergios do cinema italiano dos 1960 e 1970 (Leone, Donati e Corbucci).
Cada cinco minutos do filme, sei que exagero um pouco, vale por baixo um longo parágrafo, cada cena de 10 ou 15 minutos um quase ensaio.
Só a respeito do título dá outro parágrafo longo. Giù la testa! (abaixe a cabeça!) é o título original e falado em alguns momentos no filme. A frase toda é Giú la testa, coglione! (Abaixe a cabeça, babaca! OU Abaixe a cabeça, seu zé mané!). Um dos títulos em inglês para o mercado internacional foi Duck, you sucker!, que é a mesma coisa, só que em inglês e uma frase que ninguém usava naquela língua. Uma espécie de tradução millôrdiana como no seu livro The cow went to the swamp, gramaticalmente impoluto, mas que não tem nenhum significado real a não ser em português, A vaca foi pro brejo.
No Brasil, prefeririam o título de Quando explode a vingança. Em Portugal, é Aguenta-te, canalha!
O clássico roteiro gramatical dita que a cada 20 minutos é preciso uma reviravolta. No início deste, duas reviravoltas, uma a cada 10 minutos.
Mas arrisco agora pelo menos o início, que prenuncia todas as reviravoltas do roteiro.
Dos muitos detalhes, o mais maravilhoso dos primeiros 10 minutos (tem mais no filme todo) é Juan vislumbrando entrar em uma carruagem chique. Cheio de gente de bem, paladinos da família, pátria e Deus, ou melhor, deus.
Político, bispo (ou “evangélico”), dama da sociedade, investidor, empresário, até saudosos da escravidão oficial. Tudo gente que alavanca o país para a frente. Çei!
Das cenas mais nojentas do cinema, mais que isso, em uma palavra, que me perdoem, não leiam, “escrotas” da história do cinema, é dessa gente boa, classe média e da elite quando comem. Closes de suas bocas falando e mastigando, comendo, sujas com restos de comida. Decrepitude e corrupção da carne e da alma.
O filme começa meio comédia e vai para o drama, a vida real. Do leve ao pesado. Do claro ao escuro. Do sorriso ao choro. Do presente ao passado. Do pecado à redenção. Há sempre um aspecto religioso, predominantemente católico, nos faroestes italianos de boa cepa.
Rod Steiger (Juan) tem um sotaque mentiroso, mas ao mesmo tempo convincente (para a ilusão cinematográfica e simbólica) de mexicano falando inglês. Enquanto James Coburn (Sean) convence com um sotaque irlandês, ao menos para mim.
A subversão de Leone é que seu pai era socialista. Ele acreditou, mas duvidou um pouquinho quando viu gente boa chegando ao poder e como mudou. E gente má, em geral piores, tornando-se muito más, horrorosas, o que já eram, faltando apenas o poder para revelarem-se em suas plenitudes.
Isso é escancarado no discurso de Juan deitado em cima de um mapa e como Sean, depois daquela traulitada, abandona mais um pouco de sua ainda renitente esperança, mais na alma humana do que na mudança social real.

Juan pensa na família como máxima. Sean, na amizade e no amor. Juan desacredita até disso, depois, no filme, com o que acontece com sua família. Sean, em lembranças demoradas e episódicas vai mostrando aos espectadores que o melhor amigo de sua vida e a mulher que mais amou em toda sua vida, ambos amados incondicionalmente, enfim… veja!
Tudo isso e mais travestido em um filme “de ação”, um “filme de faroeste”, ou “spaghetti western”. A subversão que Leone e Donati fizeram é exemplar. Como o cinema é ilusão, o gênero cinematográfico aparentemente escolhido foi ilusão para o espectador.
Enfatizo, sempre, como a música de Ennio Morricone conta mais ou tanto que as imagens. Desde os primeiros cinco minutos e vai dando (modificando) a emoção à medida que o filme avança, mudando de tom.
A versão que trouxe aqui é em inglês, para não tirar a interpretação de Steiger e Coburn, mesmo que dubladas por eles mesmos, mas tem em outras línguas. Em alguns países o VocêTubo oferece legendas. Tente, clique em CC. Ou procure outra dublagem.
Leia outras histórias
Costumes e tradições originários da imigração italiana no Brasil
Programação da 16ª edição do festival Visões Periféricas está disponível na internet
Entenda os motivos que levaram à diminuição dos horários dos ônibus municipais de Peruíbe
Crítica: Ainda estou aqui
Conheça a Borboleta Estaladeira, flagrada pelas lentes de O Garoçá
Semana começa com paralisação dos funcionários estaduais da educação
Projeto ABRAKBÇA lança single com participação de Arnaldo Antunes
Rock alternativo noventista é resgatado pela banda Origami Aquém
Sobre o autor
Servidor público federal. Bacharel em psicologia com especialização em psicologia clínica. Cineasta diletante. Cantor de banheiro, melhorando aos poucos com aulas semanais. Viajante cansado de guerra. Em grandes reformas interiores. Desculpe as obras, estamos em transtorno