De nada importa a minha opinião

Faz algum tempo que ficou difícil emitir opinião em ambiente público, principalmente na internet. Todo mundo virou especialista em tudo. A necessidade de cancelar o amigo é sempre uma constante. “Você viu que o fulaninho fez um comentário não sei das quantas, não sei em que lugar?” Todos nós já fizemos comentários infelizes. Todos temos o direito ao arrependimento, ao amadurecimento. Para o público da internet, no entanto, tudo que você disser será usado contra você pelo resto de sua vida.

Ainda hoje querem classificar a Xuxa como pedófila por ela ter contracenado com um garoto no filme Amor, estranho amor. Ainda hoje o vídeo em que o Morgan Freeman diz que não devemos falar em racismo volta a circular durante a semana da Consciência Negra.

Eu, que estou longe de ser isento, que estou longe de ser perfeito, que estou longe de ser infalível, venho tentando evitar comentários polêmicos. Mesmo assim, sempre que possível, sou avacalhado por alguém bem-intencionado que, do alto da sua sabedoria e infalibilidade, me diz um monte de desaforos com a benévola intenção de me educar.

Tendo isso em mente, sempre que sou instado a comentar algum assunto delicado, faço referências a livros, artigos científicos e outros tipos de documentos que possam esclarecer o tópico. É claro que só faço isso quando já tenho alguma leitura sobre o tema. Caso desconheça completamente, assumo não saber nada a respeito.

É claro que o interrogador da vez não se dá por satisfeito. “Acho legal você citar livros e artigos, mas qual é a sua opinião?”, perguntam sempre. A minha opinião pouco importa. Contra fatos não há o que opinar. Os livros de matemática dizem que dois mais dois é igual a quatro, mas na minha opinião… Um comentário desse tipo seria ridículo, e a pessoa que pergunta sabe disso. A única intenção de insistir no questionamento é a necessidade de tentar me expor ao ridículo. Continuo insistindo: não é uma questão de achar, pouco importa o que eu acho.

Mas quem é que quer se dar ao trabalho de ler centenas – às vezes milhares – de páginas antes de falar sobre algum assunto? É muito mais fácil ouvir um resumo grosseiro, apresentando por aquele amigo ou amiga militante, e sair classificando todos os que argumentam em contrário como bandidos mal informados. Não importa se a opinião contrária é embasada em provas e documentos variados. “Estou do lado do bem. E você, de que lado está?”, cantava Renato Russo. Ninguém quer se enxergar como um ser humano suscetível a falhas – como é o caso de todo ser humano.

O pensamento é mais ou menos assim: “Essa é a minha opinião, portanto, eu estou certo. Quem pensa diferente só pode ser um canalha”. A verdade é que o mundo não é preto no branco. Nada na vida é simples, nada é fácil. Esse narcisismo desmedido não vai resultar em coisa boa. No momento, tudo que me importa é fugir dos extremistas.

Recentemente conheci um professor mulçumano muito simpático. Conversamos por horas até que ele perguntou: “você é ateu?”

– Sou

Respondi sem entender.

– Percebi. As únicas pessoas com as quais tenho conseguido conversar sem atacar a minha religião são os ateus. Membros de outras religiões costumam me classificar como terrorista.

Fiquei pensando no comentário do meu amigo. As pessoas estão tão intolerantes que, até eu, que sou um completo estúpido, começo a me achar uma criatura inteligente e benévola. Provavelmente é o meu próprio narcisismo que vai ganhando corpo.

 

José Fagner Alves Santos

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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