Com uma simples câmera, artista produz fotos únicas a partir de um olhar distinto

Imagem: Cacaw

A jovem Cacaw se apaixonou pela fotografia na infância e, após ganhar um celular com câmera de seus tios, não parou mais de registrar imagens totalmente diferenciadas

Momento de renovação da cultura brasileira: assim podemos definir o período dos dias 13 a 17 de fevereiro de 1922, conhecido como a Semana de Arte Moderna ou Semana de 22. Na ocasião, escritores, compositores e pintores consagrados (Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Heitor Villa-Lobos) marcaram o início do modernismo no Brasil e de uma ruptura com o passado. Claro que o termo “ruptura” deve ser analisado com cautela, pois não se trata de uma alteração radical, ocorrida de um dia para o outro, mas de mudanças ocorridas gradativamente no decorrer da história, como é caso das correntes vanguardistas de outrora que foram influenciando o modernismo brasileiro.

Neste mês em que celebramos o centenário de comemorações desse marco cultural, somos convidados a revisitar a Semana de 22 a partir do cenário cultural atual. Como a Semana de Arte Moderna é expressa hoje? Que rupturas ela nos apresenta? Certamente muitas, especialmente quando a arte vem sendo utilizada para descontrir preconceitos, revelar novos artistas e promover a inclusão social.

A artista Cássia Regina Santos, conhecida como Cacaw, é um exemplo de jovem que utiliza do próprio olhar para transformar e romper padrões. Ela registra fotos há mais de quatro anos, incluindo objetos, arte urbana, paisagens etc. totalizando milhares de imagens registradas. Mas engana-se quem pensa que ela faz tudo isso com os equipamentos fotográficos ultramodernos e mais caros do mercado. As imagens são registradas de uma câmera de celular simples e, graças ao seu olhar diferenciado, revelam percepções singulares e extraordinárias.

A artista Cacaw 

Moradora na zona norte de São Paulo, Cacaw conta que sua paixão pela fotografia começou na infância, ao ver um primo filmando e fotografando as confraternizações familiares. “Ele tinha uma câmera VHS, que acabou caindo em desuso e não tive mais acesso a nenhum equipamento. Passado um bom tempo, um casal de tios meus me trouxe um celular com câmera que adquiriram em uma viagem ao Japão. Comecei a registrar algumas fotos a partir daí”, relata a artista.

Como ela nem os tios não conheciam um aparelho do tipo, eles não sabiam que deveriam descarregar as fotos em um computador, por meio de um cabo USB. “Como eu não tinha PC, o celular funcionava como câmera, até o dia em que meus tios me deram uma câmera digital e, então, comecei a tirar muitas fotos. Eu nunca fiz curso de fotografia. Eu registro as imagens porque gosto. Quando essa câmera quebrou, eu pude comprar um celular com câmera”, afirma.

A partir de então, Cacaw começou a fazer vários registros por onde andava. O trajeto de sua casa para a faculdade (ela cursou Tecnologia em Eventos na Uninove) e vice-versa já se transformava em um verdadeiro “mural de inspirações” para os seus registros. Uma simples gotícula de água, um reflexo no vidro, uma garrafa: itens comuns para a maioria das pessoas e que ganham vivacidade nas fotografias de Cacaw. A arte urbana também marca forte presença em seus registros. Um exemplo é o projeto Kombozas, idealizado pelo artista urbano Bonga Mac, que personaliza kombis gratuitamente por meio do graffiti, transformando a vida de muitas pessoas que utilizam o veículo para trabalhar ou, até mesmo, morar. Em contrapartida, ele mobiliza os donos das kombis a arrecadar e transportar alimentos para famílias carentes.

“Alguns dos melhores registros fotográficos que tenho do meu projeto foram feitos pela Cacaw. Ela tem um olhar muito sensível, uma artista natural. Além disso, essa junção da fotografia com a arte urbana existe desde os primórdios da história do graffiti e da pixação e se revela essencial, já que o processo da arte de rua é efêmero e o seu registro é que fica”, afirma Bonga Mac. Ele também enaltece a sensibilidade de Cacaw para absorver o espaço urbano e transformá-lo em abstração, por meio de uma imagem totalmente distinta, unindo a percepção, a captura e o conceito fotográfico.

Imagens Cacaw (clique nas imagens para ampliá-las)

E não é apenas por meio da fotografia que Cacaw atua na arte urbana. Em novembro de 2021, ela expôs uma de suas obras artísticas na mostra Da Rua para dentro, que reuniu trabalhos de 23 artistas urbanos no espaço do Cine Petra Belas Artes, em São Paulo, e teve curadoria de Bonga Mac e a galerista Ceres Macedo; ambos também serão curadores de uma nova mostra que exibirá trabalhos da Cacaw e outros jovens artistas iniciantes na Galeria Exílio Art, em São Paulo, no dia 25 de março.

Inclusive, a sensibilidade de Cacaw para a fotografia também chamou atenção de Ceres, que ressaltou como a artista, com seu olhar calmo e despretensioso, transforma o que vê em imagens singulares. “O meu maior desejo é que ela seja vista e reconhecida pelo seu olhar distinto e pelo seu trabalho ao qual ela se dedica. Para mim será um prazer contar com a presença dela e tantos outros talentos na exposição prevista para março, reunindo graffiti, fotografia, colagem, pintura e outras manifestações artísticas. Nós apostamos muito neles e, até mesmo, renovamos nossa forma de ver o mundo por meio de seus trabalhos”.

 Assim acontece com Cacaw. Artista que nos convida a repensar e enxergar o mundo de maneira diferente a partir de suas imagens, provocando rupturas com padrões e conceitos já estabelecidos: um convite para pensarmos a Semana de 22 nos dias de hoje.

Sobre o autor

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Mestra em Ciências Humanas. Jornalista. Especialista em Metodologia do Ensino na Educação Superior e em Comunicação Empresarial.
Assessora de Comunicação. Blogueira de Cultura e de Mídias.
Sou apaixonada por programas culturais – principalmente cinema, teatro e exposição – e adoro analisar filmes, peças e mostras que vejo (já assisti a mais de 150 espetáculos teatrais). Também adoro ler e me informar sobre assuntos ligados às mídias de modo geral e produzir conteúdos a respeito.


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