Cadê Carlinhos?

Era um domingo de calor. Dia de decisão. Acordei cedo para comprar jornal e saber alguma novidade sobre meu time. Estava confiante de que ele seria campeão, pois tinha feito uma boa campanha no campeonato e o adversário era nosso freguês. Com a camisa do meu time, desfilava pela rua e arrancava um “CAMPEÃO” dos simpatizantes. O jogo estava marcado para às 4h da tarde, mas antes teria a mesa redonda (que na verdade eram duas mesinhas da Cerveja Antárctica) numa rotisseria.

Dela participavam somente amigos. Era democrática. As regras eram: 1º – Ser casado, para poder entender quando a patroa chamasse o marido com a vassoura; 2º – Gostar de cerveja; 3º – Entender de qualquer assunto.

Cheguei na rotisseria e o Bocatto – o proprietário – estava colocando as duas mesinhas mais disputadas da cidade. Peguei a minha cadeira cativa e já fui pedindo uma porção de calabresa com caipirinha. Logo chegou o seu Osvaldo, meu parceiro na cerveja e no time. Estávamos animados, mas indignados, porque o jogo não passaria na TV aberta. Depois de sugestões e umas gambiarras, conseguimos colocar uma TV de 20 polegadas, com direito a pay-per-view e tudo mais, em frente à nossa mesa. Os frequentadores assíduos aos poucos iam chegando e a conversa foi ficando animada.

Olhei para o relógio e já eram 12:15h. Passou do horário estipulado pela patroa. Resolvi ficar mais um pouco e pedir mais uma caipirinha. Passaram mais alguns minutos e a patroa pintou no pedaço. Sabia que o barraco havia caído. Depois de um “somebody love”, consegui convencê-la, afinal, de que era dia de decisão. Ela aceitou ir para casa depois que eu prometi cortar a grama do quintal, lavar as roupas, as louças e fazer a janta pelos próximos sete dias.

O clima foi ficando tenso. Chegou a hora do jogo. Alguém resolveu pagar mais uma rodada de cerveja, e foi aceito sem demora. O empate garantiria o título e alguns torcedores já ameaçavam colocar a faixa de campeão.

Foi dado o apito inicial. Os dois times atacaram desesperadamente. Foram distribuídos cartões amarelos como se fossem santinhos em época de eleição. Pintou uma expulsão. Logo após, o juiz anulou um gol e foi jurado de morte. Fiquei impaciente, impliquei com o comentarista da TV que pareceu estar torcendo para o adversário.

Terminou o primeiro tempo e a fila para o banheiro era maior do que a fila para o seguro-desemprego. Começou o segundo tempo. O nervosismo aumentou e cada bola chutada para fora era motivo de revolta na plateia. O tempo passou rápido e faltavam apenas dois minutos para acabar. Todos começaram a comemorar e gritar: “É Campeão! É Campeão!”

De repente, faltou luz no bairro. Tumulto feito. Olhei para a plateia e disse em tom ameaçador:  – Sugestões?

Vieram várias, como ligar para o estádio e pedir a paralização da partida. Foi descartada, pois ninguém tinha o número do estádio. Wladimir se prontificou em buscar o seu rádio. Minutos depois, lá estava ele tirando o fio da tomada da TV para ligar o aparelho. Quase foi linchado. Carlinhos teve a ideia de correr para o carro e ligar o som.

Ligou o rádio quando o locutor gritava: “CAMPEÃO!”

Mais que depressa ele gritou para nós: “Campeão, Campeão!”  Aí virou festa, todo mundo se abraçando e pulando na rua. A festa foi até às 10h da noite, quando o pessoal foi embora. Resolvi tomar outra cerveja com o seu Osvaldo. A cerveja ainda estava quente por causa do freezer desligado. Fomos para casa e, em seguida, a luz voltou. Liguei rapidamente a TV para ver se pegava os gols do Fantástico. Vi os melhores lances do jogo, mas aos quarenta e cinco do segundo tempo, o time adversário marcou um gol. Não acreditava no que via.

Mudei de canal, o que me irritou ainda mais, pois já estavam mostrando a imagem do time adversário comemorando.

Atordoado, liguei para o seu Osvaldo e ninguém atendeu.

Realmente era verdade. Perdemos no último minuto. Tudo acabado. Sonho, campeonato e apostas. Deitei-me no sofá para esfriar a cabeça, quando tocou o telefone. Relutei em atender, pois poderia ser algum amigo querendo cobrar aposta.

A patroa atendeu e falou que era alguém querendo saber o endereço de um tal Carlinhos.

Você sabe?…

Sobre o autor

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Escritor, redator, podcaster, paulistano criado em Curitiba começou a cultivar o interesse pela escrita aos 14 anos. Escreveu uma coluna semanal para um jornal comunitário brasileiro nos EUA e se tornou editor de um periódico independente. De Pittsburgh realizou o Premio Podcast no Brasil em 2008/2009. Escreveu um livro sobre técnicas de filmagem com iPhone e iPad e o romance: “Tudo que tenho de fazer é sonhar“. Atualmente não consegue equilibrar o tempo gasto com Animação 3D, filmagens com smartphone, pilotar Drones e criar artes com Inteligência Artificial.


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