A comoção nacional pelas falsas imagens de Brumadinho

Prof. Dr. Jack Brandão explica porque somos tão atraídos pelas fake news

No dia 25 de janeiro de 2019, uma trágica notícia assolou o Brasil e o mundo: o rompimento da barragem da mineradora Vale, na cidade de Brumadinho, em Minas Gerais. Bastaram as primeiras publicações sobre a tragédia serem veiculadas na mídia que, rapidamente, as redes sociais foram bombardeadas de comentários de internautas. Verificaram-se também, em meio à avalanche informacional, as chamadas fake news que, mais uma vez, entraram em ação. Dentre elas havia, inclusive, a de internautas que se aproveitaram da situação para criar sites com campanhas falsas para arrecadar doações para, supostamente, ajudar as vítimas do desastre.

Um estudo, publicado em 2008, pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, concluiu que as informações falsas têm 70% mais chances de viralizar do que as verdadeiras e alcançam muito mais pessoas. Mas, que leva a essa crença tão efetiva nas fake news? Que as torna mais atraentes?

Com a infinidade de textos e imagens circulantes nos meios digitais, torna-se, cada vez mais, difícil distinguir o falso do verdadeiro, a ponto de aquele tornar-se mais real que este. Isso se potencializa, quando o que se tem diante da tela de um celular ou de um computador é, por exemplo, uma fotografia. Isso porque muitas pessoas ainda acreditam que ela é sinônimo de verdade, não um mero registro de um fato qualqueruma das várias facetas da realidade, conforme nos diz o especialista e pesquisador em imagens, Prof. Dr. Jack Brandão.  

Tal ideia, a da fotografia como fiel à verdade, ainda se faz presente para muitas pessoas que enxergam nela a “cópia mais perfeita do mundo”, sem perceber suas incontáveis variáveis, como o olhar do fotógrafo, o contexto em que foi tirada, seu suporte, o ângulo da tomada, a intenção do fotógrafo ou do editor, sem contar com os diversos softwares de edição de imagem que existem hoje no mercado. Tais aspectos acabam sendo desconsiderados por muitos leitores que, ao se depararem com determinadas imagens, a interpretam por meio de seu próprio acervo imagético denominado de iconofotológico pelo Prof. Dr. Jack Brandão. Este se trata “de um acervo fotográfico virtual, construído durante toda nossa vida” que, segundo o professor, cada indivíduo possui e que consiste em um estoque de imagens mentais, ao qual recorre para interpretar determinada informação que tem diante de si.

Assim, além dos falsos pedidos de doações para Brumadinho, fotos e vídeos falsos também circularam nas redes, como a imagem de um bombeiro abraçando um homem, que gerou comoção nacional como se fosse da tragédia. Todavia, tal imagem foi registrada num resgate realizado em Pato de Minas (MG), em 2011. Para o Prof. Dr. Jack Brandão, toda essa comoção acontece, de maneira especial, porque junto às imagens são inseridas as legendas, ou seja, se a imagem fotográfica por si só já nos leva a acreditar em sua verdade; essa se torna inquestionável, quando estiver junto com a palavra. Sozinhas, as imagens, apesar da falsa crença de que falam por mil palavras, pouco dizem, já que cada um a interpretará conforme seu próprio acervo iconofotológico.

(Foto: Aislan Henrique/Patos Hoje)

Se a descontextualização imagético-textual por parte dos leitores impede sua plena decodificação na contemporaneidade, que dizer da interpretação de informações extemporâneas? De acordo com o professor, no século XIX, concretizou-se a substituição dos modelos de representação vigentes nos séculos anteriores, fazendo com que houvesse um novo enfoque da realidade. A realidade visual de obras artísticas, por exemplo, começou a ser substituída pela plena subjetividade dos artistas, que ganharam liberdade para criar. Com isso, perdeu-se todo a rigidez do referencial imagético dos séculos anteriores, quando cada traço artístico possuía determinado significado.

Na contemporaneidade, com a imprensa e a fotografia, há uma constante e inebriante mudança de referencial que foi acelerada pela enxurrada imagética que se verifica a cada segundo; dificultando, dessa maneira, uma interpretação satisfatória do que se vê no mundo. Assim, uma imagem de alguns anos, como a fotografia do bombeiro citada anteriormente, pode ser inserida, como numa colagem, a outro contexto, como se pertencesse a ele, sem que as pessoas percebam isso. Tal fato é agravado quando se insere uma legenda qualquer: somo como impelidos a acreditar nela.

Resta ao público, portanto, não apenas recorrer ao seu acervo iconofotológico para preencher as lacunas trazidas pela imagem, como também buscar as fontes, para que também ele não potencialize, muitas vezes, a audiência das notícias falsas, propagando-as.

Sobre o Prof. Dr. Jack Brandão:

Doutor pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisador da arte medieval, renascentista e seiscentista, de modo especial de sua recepção pelo leitor hodierno; desenvolvendo o conceito de iconofotologia, com o qual mantém sua linha de pesquisa. Autor de livros acerca do tema, bem como de artigos referentes ao assunto em revistas acadêmicas do Brasil e do exterior; poeta e romancista. Coordenador do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS, além de editor da revista acadêmica Lumen et Virtus.  Ministra curso sobre a iconologia, a iconografia e a iconofotologia destinado a desvendar os mistérios que se escondem na imagem, no homem que a produziu e em seus leitores. Mais informações: condesfotosimagolab.com.br

Sobre o autor

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Mestra em Ciências Humanas. Jornalista. Especialista em Metodologia do Ensino na Educação Superior e em Comunicação Empresarial.
Assessora de Comunicação. Blogueira de Cultura e de Mídias.
Sou apaixonada por programas culturais – principalmente cinema, teatro e exposição – e adoro analisar filmes, peças e mostras que vejo (já assisti a mais de 150 espetáculos teatrais). Também adoro ler e me informar sobre assuntos ligados às mídias de modo geral e produzir conteúdos a respeito.


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