A síndrome do conhecimento fragmentado

Se você não está interessado no que tenho para dizer, não me faça perder tempo

Qualquer professor com um mínimo de experiência sabe diferenciar o aluno com real vontade de aprender e aquele outro que se esforça para parecer um intelectual.

Enquanto o primeiro busca assimilar um livro, um assunto ou uma temática de cada vez, o segundo parece abraçar todo o conhecimento da humanidade num espaço muito curto de tempo. Ele sai da biblioteca levando meia dúzia de livros, dos quais nunca lerá mais que alguns pequenos trechos.

O estudioso sério sabe que é preciso aprender uma língua de cada vez, um assunto de cada vez. Mas quem quer apenas manter as aparências não ficará perdendo tempo para estudar algo a fundo.

Como bem escreveu Umberto Eco,

“Os perdedores, assim como os autodidatas, sempre têm conhecimentos mais vastos que os vencedores, e quem quiser vencer deverá saber uma única coisa e não perder tempo sabendo todas, o prazer da erudição é reservado aos perdedores. Quanto mais coisas uma pessoa sabe, menos coisas deram certo para ela.” (Record, 4ª edição, 2015).

Pesado né? Essa frase sempre vem à mente quando dou de cara com esse tipo de gente. Tem uma turma de comportamento cíclico que costuma me aporrinhar de vez em quando.

Num dia eles me dizem que estão estudando japonês, na semana seguinte começaram a fazer aulas de violão, e na outra trocam o instrumento e começam a tocar piano.

Nunca há tempo o suficiente para que se aprenda de fato algo, mas essas pessoas costumam saber um pouquinho de cada coisa. É aquilo que costumo rotular há algum tempo como a “síndrome do conhecimento fragmentado”.

Esse é apenas um título engraçado que cunhei para debochar dessa linha comportamental. Não entendo nada de saúde mental, então não leve a sério minhas análises toscas.

VÁRIAS PESSOAS NO MEU ENTORNO

O fato é que, conheço inúmeras pessoas assim. Gente que pede ajuda para terminar o ensino médio, para entrar para uma faculdade, ser aprovado no mestrado, para escrever um livro, para lançar uma música, uma história em quadrinhos.

Invariavelmente, quando começo a desenhar o trajeto para que se chegue lá, o interessado se dispersa, inventa desculpas, assume novos interesses, classifica-me como bitolado e intolerante.

Eu gostaria muito que esse desabafo fosse sobre uma única pessoa. Ficaria feliz até mesmo se fosse apenas sobre um grupo pequeno de pessoas, mas é sobre um número cada vez maior de indivíduos. As pouquíssimas criaturas que resolveram me ouvir, curiosamente, atingiram seus objetivos.

Não que eu seja um grande guru, longe disso. Sou absurdamente limitado e tenho consciência disso. A própria ideia de guru é algo que me enoja.

Se eu consegui ajudar meia dúzia de pessoas foi apenas pelo fato de ter compartilhado minhas experiências com elas. O que serve para um pode não servir para o outro, é verdade, mas a experiência compartilhada pode trazer um vislumbre sobre o caminho que deverá ser percorrido.

Mesmo que o caso de sucesso de um amigo não se aplique à minha realidade, posso muito bem ser beneficiado só por saber o tipo de problemas que irei enfrentar. No entanto, esses indivíduos acreditam que o pensamento mágico (pensar positivo, acreditar que o universo conspira ou qualquer outra bobagem do tipo) pode resolver o problema.

Por mim tudo bem. Mas gostaria de pedir, encarecidamente, que me deixem em paz. Não peçam conselho se não querem ouvir o que tenho para dizer, não desperdicem meu tempo se não estão interessados.

Sigam a vida de vocês e seu sigo a minha. Todos ficaremos felizes e bem resolvidos.

José Fagner Alves Santos

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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