Vox Populis Vox Dei. Será?


Algumas fontes afirmam que já os pré-socráticos a mencionavam em seus escritos, outros credenciam tais palavras ao profeta Isaías e há quem afirme que as verdadeiras origens do “Vox populis vox Dei” surgiram nos discursos realizados durante julgamentos públicos, durante a Idade Média.

Mas se a voz do povo é a voz de Deus, talvez Deus tenha andado cada vez mais confuso na hora de manifestar suas vontades e sua voz esteja um tanto impotente. Alguns afirmam que ele é brasileiro e quiçá isso explique sua constante mudança de humor e incapacidade de se fazer ouvir.

Para um jornalista é clara a diferença entre opinião pública ou publicada e opinião do público. A primeira é aquela que os veículos de comunicação trazem a público e que por um lado representam perspectivas e anseios da sociedade, mas que, ao mesmo tempo, está prenhe de leituras e interesses do comunicador, a segunda é aquilo que a sociedade realmente pensa sobre os fatos, mesmo que quando tais fatos lhe cheguem como resultado da opinião publicada. O fato é que algumas vezes é nítido o desequilíbrio entre o que se vê e ouve nas ruas e o que as fontes publicadoras de opinião sugerem.

Nos dias atuais é comum que jornalistas afirmem que o eleitor brasileiro está mais exigente, que independentemente de quem seja eleito em 2018, esse alguém estará ciente de que será vigiado por uma população muito mais atenta, que não se poderá mais continuar com a velha política do “toma lá dá cá”. Mas será que tais falas refletem a realidade dos mais de 210 milhões de pessoas existentes hoje no Brasil? Será que o brasileiro que foi para as ruas em 2014 e 2016 o fez por consciência política ou apenas devido a um estado febril?

Para responder a tais perguntas basta recorrer a fatos recentes. Observemos que as milhares de pessoas que foram às ruas protestar, “não pelos 20 centavos”, mas por melhorias nos serviços públicos e contra a corrupção, serviram como um tipo de programa piloto para o que viria em 2016, quando indignados com escândalos de corrupção envolvendo membros do governo Dilma, bem como as chamadas “pedaladas fiscais” – e olha que a vasta maioria do povão nem entendeu o que foram as tais “pedaladas” – voltaram para as ruas, convocados – alguns poucos pelas redes sociais e muitos, na verdade a maioria, pelo incentivo dado pela TV e pelo famoso espírito de manada, também conhecido como “Maria vai com as outras”. Por incrível que pareça, esses milhares de pessoas indignadas com a corrupção não foram para as ruas meses depois, protestar contra a dupla absolvição do sucessor de Dilma Roussef. Não ficaram indignados com as denúncias e provas que parte da mídia, mesmo a contragosto, teve de apresentar e com a atitude dos deputados sob os mais diversos argumentos optaram por perdoar.

A história recente, todavia, parece indicar que o povo tem voz e vez. Quando Fernando Collor foi retirado da presidência da República em 1992, atribuiu-se isso aos “caras pintadas”, gente composta principalmente por jovens que pintaram os rostos e foram para as ruas pedir um “Fora Collor!” Nos dias que antecederam o impedimento da presidente Dilma Roussef ocorriam panelaços e caras pintadas, tiveram até coreografias ensaiadas, supostamente tudo ato espontâneo. Anos antes disso tudo, graças ao esforço de políticos influentes somado ao grande número de pessoas que foram para as ruas apoiá-los em 1983 e 1984, os brasileiros reconquistaram o direito (e a obrigação) de escolher seus governantes.

Sim. A voz do povo parece ser mesmo a voz de Deus, quando ele quer ou pensa que quer, acontece. Será verdade?
Quando Michel Temer propôs uma reforma trabalhista em 2017, seis em cada dez pessoas perguntadas era contrária a ela pelos mais diversos motivos, segundo pesquisa do Datafolha apresentada em maio daquele ano. Indiferentes a tais opiniões deputados e senadores entenderam que a voz do povo não era a voz de Deus, talvez um espírito obsessor ou o Saci Pererê procurando brincadeiras, mas Deus não era. Consequentemente aprovaram a reforma trabalhista. Também em 2017 o Senado Federal realizou uma enquete por meio de seu portal perguntando aos internautas se eles eram a favor ou contra o fim do voto obrigatório. O resultado foi que das 8.000 pessoas que votaram, apenas 405 foram contrárias à proposta do voto facultativo para todos. Tal exemplo também reflete uma vontade dos brasileiros, já existente há bastante tempo pois, em 2014 o Datafolha apresentou uma pesquisa a qual apontava que, exatamente seis em cada dez brasileiros é contra o voto obrigatório. Mas, por incrível que pareça, deputados e senadores mais uma vez estão surdos para o clamor divino.

Nos dias atuais temos um cenário no mínimo curioso. Dentre os 12 personagens que se propõem a comandar o Brasil pelos próximos quatro anos, temos dois que se destacam dos demais. Um porque está preso e outro por suas declarações polêmicas. Em comum ambos têm a maioria absoluta dos votos do eleitor. Também em comum, ambos têm o grande número de ações do judiciário e de políticos contra suas candidaturas. Estamos falando dos popularmente conhecidos, como Lula e Bolsonaro.

Mais uma vez a voz do povo fala. A grande dúvida é se o povo sabe o que está falando, e mais importante é saber se será ouvido por aqueles que lhes poderia acolher a fala.
Diante da recusa de sua voz, o povo (ou seria Deus?) pode continuar sereno e silencioso como Buda em sua meditação ou pode explodir indignado e ir para as ruas como Zeus contrariado, lançando raios aos desafetos. Não importa! Os políticos parecem céticos quanto a essa coisa de “Vox populis, Vox Dei”. Talvez eles recordem que o último que confiou plenamente na Vox populis acabou crucificado e abandonado pelo povo.

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