Superior a quê?

Enquanto caminhava num shopping aqui perto de casa dei de cara com um cartaz dizendo: “Precisa-se de balconista. Exige-se curso superior”. Fiquei curioso e fui até lá questionar. “Bom dia! Vi o cartaz e não entendi, vocês estão exigindo formação superior para um cargo de balconista?”, inquiri todo debochado. “O senhor deseja se candidatar à vaga?”, perguntou um homem na casa dos 40 anos, um pouco ríspido, diga-se de passagem. Expliquei que era apenas um jornalista curioso. Aquele assunto poderia dar uma boa matéria. Ele me desiludiu. Explicou que os últimos funcionários contratados tinham dificuldade para anotar recados, escrever e-mails e fazer contas de multiplicação e divisão.

Ele tinha a esperança de resolver esse problema contratando pessoas com formação superior, já que os funcionários que possuíam apenas o ensino médio não estavam dando conta do serviço. Minha primeira reação foi rir da piada, mas percebi que ele estava falando sério. Repassei mentalmente a questão e percebi que conhecia muita gente com o ensino médio completo que, realmente, não saberia escrever uma simples carta, um e-mail seria algo impensável. Percebi que, mesmo na faculdade, conheci pessoas que estavam se formando em jornalismo e que não conseguiam escrever direito.

Nem vou falar da questão matemática, deixo para os profissionais da área, mas não saber ler e escrever direito – ainda mais para alguém que está cursando jornalismo – é a maior prova de que o sistema educacional no Brasil não está funcionando.

Sempre que alguém vem falar sobre a situação política ou econômica do país, eu fico pensando se a causa de tudo isso não estaria na nossa miséria intelectual.

Antes que alguém venha me dizer que estou exagerando, gostaria de lembrar que na edição de 2014, do ENEM, mais de 500 mil pessoas zeraram a nota da redação.

Dentre as pessoas que zeraram a redação, 13.039 copiaram textos do enunciado da própria prova; 7.824 escreveram menos de sete linhas; 4.444 não atenderam ao tipo textual solicitado; 3.362 zeraram por parte desconectada e 955 por ferirem os direitos humanos. Outras 1.508, por outros motivos.

Acho que já passou da hora de revigorarmos o ensino superior. Enquanto não corrigirmos esse problema será difícil falar em melhoria política e econômica.

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


2 Replies to “Superior a quê?”

  1. Isabella Felix

    Mas não é apenas o ensino superior que precisa de mudanças. É preciso chegar na raiz do problema: Ensino Fundamental. O ensino básico é arcaico, estudamos em meio à muletas, nosso modelo de ensino possui diversos curativos que já estão gastos, mas que ninguém quer trocar. Nosso ensino é o mendigo na rua que a gente ignora quando passa.

    Para você ter uma ideia, em uma das minhas turmas, na faculdade, no primeiro período, uma menina nem ao menos sabia descompactar um arquivo na sala de informática. Não tem nada a ver, mas, o que quero dizer é que os estudantes estão completamente alienados, sem caminho. Muitos dos meus colegas não ficaram até ao final junto comigo.

    Lembra quando a gente via aquele programa do Silvio Santos e falava que os Universitários não sabem nada? Pois é…

    Ouvir, ler e interpretar que são coisas tão básicas, hoje é artigo de luxo.

    • Fagner

      Sem dúvida. Foco no ensino superior porque acredito que devemos começar por aí. Quando melhorarmos a qualificação dos professores que irão lecionar no fundamental, conseguiremos definir um norte.

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