Ponto de exclamação

Durante o processo de revisão de textos para a primeira edição do fanzine Editoria Livre dei de cara com um problema curioso. Algumas composições estavam repletas de pontos de exclamação. Pareciam ter sido escritos para histórias em quadrinhos. As produções eram de um entusiasmo desolador.

Com essa constatação, duas coisas ficaram claras para mim: 1) o que boa parte dos brasileiros costuma ler se resume a textos com linguagem publicitária – quadrinhos inclusos –, e isso acaba impedindo o desenvolvimento de leitores mais habilidosos; 2) as redes sociais, por sua dinâmica, exigem uma linguagem muito própria, mas o uso excessivo desses recursos pode confundir algumas pessoas no momento em que são obrigadas a escrever algo mais formal.

Lembro de uma reportagem que estava produzindo para a revista laboratorial da faculdade em que estudava. Coloquei um ponto de exclamação na fala de uma fonte. O professor e jornalista Eduardo Rubi Cavalcanti, que era um dos nossos editores, olhou aquilo e disse: “nunca coloque ponto de exclamação na fala de uma fonte. Evite ao máximo o uso desse tipo de pontuação”. Comecei a notar, a partir daquele instante, que os autores que eu admirava não usavam o tal ponto.

Curioso, fui estudar a origem do sinal. Descobri que existem várias versões para a sua origem. Uma delas diz que, o ponto de exclamação foi criado por volta de 1400, pelo poeta italiano Jacopo Alpoleio da Urbisaglia[1], e era chamado de punctus admirativus ou punctus exclamativus[2].

No início era apenas uma marcação composta por um ponto parágrafo (.) com uma vírgula (,) em cima. Sim, você entendeu bem (;), o ponto de exclamação começou como um ponto e vírgula. Jacopo usava essas marcações para destacar as frases de maior ênfase no texto.

A partir do século XIX os espanhóis adaptaram a marcação para o seu uso. Eles começaram a grafar o sinal de cabeça para baixo e no início das frases, para avisar que aquele trecho deveria ser lido como uma exclamação ou grito. Semelhante ao que eles fazem com o ponto de interrogação. Os missionários espanhóis teriam feito o trabalho de espalhar o sinal gráfico pelo mundo.

A partir da década de 1920, no entanto, o ponto de exclamação ficou associado às manchetes sensacionalistas e aos romances sentimentais voltados ao público feminino. O escritor que quisesse ser levado a sério deveria evitar usá-lo. Um dos escritores mais famosos desse período, Ernest Hemingway, colocou apenas um único ponto de exclamação em seu livro O Velho e o Mar.

Entre 1930 e 1940 o mercado publicitário se apropriou desse sinal. Os publicitários devem ter percebido o quanto as frases ficam mais apelativas usando esse recurso. O curioso é que as máquinas de escrever só começaram a ter a tecla com o ponto de exclamação a partir de 1970. Antes disso era preciso teclar o ponto (.), apertar a tecla de retrocesso e bater o apóstrofo (‘). Saudades da minha Olivetti.

Com o início das redes sociais e dos aplicativos de comunicação instantânea, o ponto de exclamação, juntamente com muitos outros sinais, passaram a ter um significado um tanto diferente. Até aí, tudo bem. Não vejo problema que uma mídia específica exija uma linguagem específica – os emojis, emoticons e gifs e tutti quanti têm lá o seu valor. O problema é que isso está contaminando a escrita mais sóbria.

Compreendo que a linguagem está em constante mutação e que o errado de hoje pode ser o certo de amanhã, no entanto, ao menos por hora, seria bacana se tentássemos respeitar as regras que ainda estão em vigor. Talvez assim a precisão da linguagem não seja comprometida.

 

José Fagner Alves Santos

 

[1] Ao menos é isso que o próprio Jacopo afirma em sua obra Ars Punctandi

[2] Uma outra teoria é que o ponto de exclamação teria sido criado por Aristófanes de Bizâncio, no século dois antes de Cristo. As histórias são as mais diversas.

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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