Os especialistas e suas previsões

De tempos em tempos as sociedades alardeiam previsões catastróficas para um futuro não tão distante. Sempre existe o perigo do momento. Se ouvirmos os especialistas, atualmente temos que nos preocupar com o futuro da democracia no Brasil. Essas previsões apocalípticas muito raramente se confirmam, servem apenas para alimentar a sanha sensacionalista.

Acadêmicos e especialistas são muito bons para esclarecer a história passada e muito ruins para prever questões futuras. Tomemos como exemplo aqueles programas esportivos compostos por vários comentaristas. Os debates acalorados cheios de previsões quanto ao placar final de cada jogo nos provam, quase diariamente, que o valor dessas opiniões é nulo. No entanto, a audiência continua cativa. Todos nós, em algum momento, já ficamos atentos a este ou aquele analista político, economista, sociólogo ou equivalente, que aparece constantemente na mídia tradicional com ares de tudo conhecer. São pessoas que traçam paralelos com situações já ocorridas no passado – que são muito mais fáceis de analisar quando em perspectiva – para nos brindar com a previsão de um futuro não tão próximo.

Para que os acadêmicos não me acusem de ficar no achismo, vamos ver o que a pesquisa científica tem a dizer sobre esse assunto. Daniel Kahneman, vencedor do prêmio Nobel de Economia, em seu livro Rápido e Devagar: duas formas de pensar, cita um estudo desenvolvido pelo psicólogo Philip Tetlock.

O público em geral tem a impressão de que está recebendo informação que é de algum modo privilegiada, ou pelo menos extremamente perspicaz. E não há dúvida de que os especialistas e seus patrões acreditam genuinamente estar oferecendo tal informação. Philip Tetlock, um psicólogo da Universidade da Pensilvânia, explicou as previsões desses assim chamados especialistas num estudo marcante realizado durante vinte anos, que publicou em seu livro de 2005, Expert Political Judgement: How Good Is It? How Can We Know? (Avaliação política especializada: É boa mesmo? Como vamos saber?) Tetlock lançou as bases para qualquer discussão futura sobre o tema.

Tetlock entrevistou 284 pessoas que ganhavam a vida “comentando ou oferecendo conselhos sobre tendências políticas e econômicas”. Ele lhes pediu para estimar as probabilidades de que determinados eventos pudessem ocorrer num futuro não assim tão distante, tanto em regiões do mundo nas quais haviam se especializado como em outras áreas sobre as quais tivessem menos conhecimento. Gorbachev seria derrubado em um golpe? Os Estados Unidos entrariam em guerra no golfo Pérsico? Que país iria se tornar o próximo grande mercado emergente? Ao todo, Tetlock reuniu mais de 80 mil previsões. Ele também perguntou aos especialistas como chegaram a suas conclusões, como reagiram quando viram que estavam errados e como avaliaram evidências que não davam apoio a suas posições. Pediu-se ainda aos participantes que classificassem as probabilidades de três resultados alternativos para cada caso: a continuidade do status quo; mais de alguma coisa, como liberdade política ou crescimento econômico; ou menos dessa mesma coisa.

Os resultados foram devastadores. Os especialistas se saíram pior do que teria sido se tivessem simplesmente indicado probabilidades iguais para cada um dos três potenciais resultados. Em outras palavras, pessoas que passam o tempo, e ganham a vida, estudando um assunto particular, produzem previsões menos exatas do que macacos jogando dardo, que teriam distribuído suas escolhas uniformemente pelas opções. Mesmo na região geopolítica de sua especialidade, os analistas não saíram significativamente melhor do que os não especialistas.

Será que esses especialistas que erraram suas previsões não tinham conhecimento suficiente em suas respectivas áreas de estudo? Bem, acho que não era esse o problema. Kahneman continua sua exposição:

Aqueles que conhecem mais fazem prognósticos apenas ligeiramente melhores do que os que conhecem menos. Mas os que têm mais conhecimento são em geral menos confiáveis. O motivo é que a pessoa que adquire mais conhecimento desenvolve uma ilusão acentuada de sua habilidade e se torna irrealisticamente superconfiante.

Lembrou-se de algum especialista? Pois é, a ciência estatística continua a destruir os sonhos de omnisciência dos gurus de plantão. A crítica que os senhores doutores fazem ao jornalismo é muito justa, mas caberia muito bem se feita à classe de especialistas de modo geral. Tetlock, em citação feita pelo Kahneman deixa muito claro que,

“Nessa era de hiperespecialização acadêmica, não há motivo para supor que os que colaboram nos principais jornais – cientistas políticos destacados, especialistas no estudo de uma região, economistas e assim por diante – sejam sequer um pouco melhores do que jornalistas ou leitores atentos do The New York Times na ‘leitura’ de situações emergentes.”

Você entendeu? Ninguém pode prever o futuro, ninguém. O medo é saudável e deve sempre ser levado em conta, mas o alarmismo desenfreado nunca será solução para nada. Todo discurso é motivado por alguma intencionalidade, mesmo esse meu. É importante que isso fique claro. A História não corre de modo linear ou etapista. A visão escatológica é uma falácia infantil. Avanços e retrocessos são uma constante nesse processo dinâmico. Achar que o controle do processo histórico é possível só vai gerar ansiedade e decepção.

As religiões políticas são a modinha do momento. Os descrentes são rotulados de hereges e, pior ainda, são classificados como corruptores subversivos. Como eu sempre fiz parte das minorias, não ligo de ser incluído em mais essa.

 

José Fagner Alves Santos

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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