O melhor e o pior em nós

Como se não bastassem todos os preconceitos que eu já sofro diariamente, agora tenho que suportar as piadas de quem cisma de que estou com coronavírus por causa de sintomas dessa bronquite asmática que me assola há muitos anos.

É fato que o ar da cidade de São Paulo melhorou significativamente nos últimos dias, mas ainda assim é difícil manter os brônquios funcionando bem. Mesmo pessoas que possuem a saúde aparentemente perfeita reclamam do ressecamento na boca e no nariz ao levantar pela manhã.

Nos dias mais secos é comum assoar sangue logo depois de acordar. Moro numa das regiões mais secas da cidade. A bronquite, somada à renite, costuma causar problemas nessa época do ano. E todo ano é assim. Não estou saindo de casa, não tenho contato com ninguém – nem com a namorada – e tenho me comunicado apenas via internet e telefone. Invariavelmente, sempre que a garganta resseca e ameaço tossir, tenho que ouvir as piadas sobre o corona. Compreendo que o brasileiro brinca com tudo, é seu jeito de lidar com a tragédia que é a vida. No entanto, será que esse é o momento mais apropriado para fazer brincadeiras sobre isso? Será que o número de memes e piadinhas que circulam nas redes sociais não está acima do que deveria?

Andei pensando no assunto. Além do fato de eu ter que repetir incessantemente que sofro com uma bronquite e que estou saindo de uma gripe, que em nada lembra o covid19, é chato ter que lidar com a falta de empatia escancarada na fala e no comportamento daqueles que se dizem amigos. Eu até entenderia se houvesse qualquer tipo de proximidade física, mas numa conversa por telefone ou Whatsapp isso não faz muito sentido. O vírus não se transmite assim.

A conclusão que cheguei é que, em tempos de dificuldade como estes em que estamos vivendo, o ser humano permite que aflore o que há de melhor e de pior em si. Tenho visto muita demonstração de solidariedade, mas também tenho visto atitudes extremamente egoístas. De um lado temos pessoas que se oferecem para estar no front de batalha. São os profissionais de saúde, os caminhoneiros, os funcionários de mercados e farmácias, o pessoal que tem feito compras para os vizinhos idosos. Do outro lado temos as pessoas que fazem compras gigantescas – sem pensar que pode faltar produto para quem vier depois –, os vendedores que estão cobrando preços abusivos em seus produtos – um botijão de gás chegou a ser vendido por 130 R$ aqui na cidade de São Paulo –, as pessoas que agrediram profissionais de saúde a caminho do hospital e tantos outros.

Pensando bem, as piadas sobre eu estar infectado parecem bem insignificantes à luz desses fatos.

Mantenha-se em casa o quanto puder.

Em breve tudo isso será apenas uma lembrança ruim.

 

José Fagner Alves Santos

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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