Faltou tolerância

Um dos princípios do liberalismo é a tolerância, no entanto, é mais fácil falar do que fazer

Entre os vários erros que vou percebendo em mim, e que vou tentando corrigir, um me deixou realmente pensativo durante essa semana. Não digo que meus outros defeitos sejam menores, mas é o caso de me incomodarem menos. Afinal, esse vai contra tudo aquilo que costumo professar.

Vamos ao caso. Durante uma aula em que discutíamos trechos do livro Cultura Popular Educação Popular – Memória dos anos 60, organizado pelo Osmar Fávero, eu fiz um comentário que soou indiscreto para muitos dos meus colegas. O livro do Fávero reúne um apanhado de textos produzidos durantes a década de 1960 sobre a educação popular e sobre a cultura popular, mas, de uma perspectiva revolucionária. A princípio pensei em Gramsci, mas, segundo nos informou o professor que conduzia a aula, esse autor ainda não era discutido no Brasil na década de 1960.

No meio do debate, que já estava um tanto acalorado, fiz o comentário de que, no capítulo referente ao manifesto do Centro de Cultura Popular (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE) havia alguns trechos que demonstravam prepotência. Para corroborar aquilo que eu dizia, li o seguinte enunciado:

A arte do povo e a arte popular quando consideradas de um ponto de vista cultural rigoroso dificilmente poderiam merecer a denominação de arte; por outro lado, quando consideradas do ponto de vista do CPC, de modo algum podem merecer a denominação de popular ou do povo. (p.65)

A interpretação que eu havia feito foi:

  • A UNE só considera que a arte é popular (ou do povo) quando esta apresenta uma temática revolucionária que está de acordo com os interesses da própria UNE.

Pode ser que eu estivesse certo, pode ser que não. O fato é que alguns colegas levantaram objeções e a discussão pegou fogo. Pessoas mais próximas chegaram a sugerir que eu mudasse de curso, outros me lembraram de que o programa é marxista e de que eu deveria ter lido a ementa antes de prestar o processo seletivo. Uma criatura, com quem não tenho proximidade, sugeriu que eu estava com uma linha de pensamento fascista.

Resultado: fiquei irritado, bati na mesa, falei alto, fui grosso com quem devia e com quem não devia. E acabei falando muita coisa sem pensar. Me envergonho do processo como um todo. Fiquei aborrecido por ter criado um ambiente de agressividade, por ter sido grosso com pessoas que não mereciam, por ter tentado impor minha leitura do trecho já citado, por não ter percebido que aquela classificação de fascista só poderia vir de alguém que se limita a repetir as frases de efeito e os xingamentos da moda.

Já comentei aqui que Hobbes via a tolerância como uma ferramenta para encontrar a paz. Infelizmente, nesse episódio, não fui nem um pouco tolerante. E esse é um defeito que me incomoda profundamente. Se eu professo tolerância, tenho que ser tolerante.

Não quer dizer que eu vá mudar de opinião, assim como meus colegas não se tornaram liberais só porque eu me irritei, mas significa que eu preciso fazer o esforço de manter a paz.

É melhor guardar energia para os momentos em que o embate for realmente necessário. Assim eu evito uma série de problemas.

Mas eu quero saber a sua opinião. Comente aí e nos deixe sabe de alguma situação parecida pela qual você passou ou se a sua reação seria diferente.

José Fagner Alves Santos

Imagem: Michal Zacharzewski

Sobre o autor

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José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


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