“E o salário, oh!”

“Nunca é tarde para mudar, nem cedo demais para abdicar do que não lhe traz felicidade”. (Autor Desconhecido)

A frase acima sem dúvida funciona como um convite a que, independentemente de por quanto tempo venhamos suportando algo que nos desagrada, sempre é tempo de eliminá-lo, ou independentemente de quão breve seja o inicio de um mal, ele pode ser encerrado se essa for nossa vontade.

Portanto, não adianta passar toda uma vida reclamando de uma realidade e nada fazer para mudá-la, pois isso faz parecer que a reclamação é sabidamente sem razão ou alimenta algum propósito oculto.

Há uma frase atribuída a um famoso orador alemão segundo a qual “uma mentira pronunciada mil vezes torna-se uma verdade”. Trata-se do fato de que, com o passar do tempo as pessoas vão repetindo aquela mentira tantas vezes – de geração em geração – que começam a não pensar criticamente sobre ela. Ocorre a incorporação da presumida verdade ao inconsciente coletivo e a partir daí ninguém mais ousa questionar.

Exemplos clássicos são os nossos ditados populares como, “filho de peixe, peixinho é” e “a voz do povo é a voz de Deus”, duas afirmações bizarras se pensarmos criticamente, afinal o filho não precisa ser igual ao pai e as besteiras que o povo fala não devem refletir a voz nem a sabedoria divina.

Ocorre que, desde criancinhas ouvimos dizer que, no Brasil, professores ganham muito mal, um verdadeiro salário de fome. Quando entrevistada, a maioria dos professores afirma estar na profissão apenas por amor, que o dinheiro é pouco, as condições de trabalho insatisfatórias. Sem falar que, nos últimos anos, tornou-se comum a reclamação de que trabalham com medo de agressões.

Policiais, por sua vez, reclamam que ganham pouco, que o salário sequer permite o mínimo de dignidade, que as condições de trabalho são péssimas, que estão praticamente desarmados se comparados aos bandidos. Que a rotina é adoecedora, que sofrem pressão dos superiores, que têm medo de não ver os filhos crescerem (…) uma infinidade de queixas.

Pensando nos funcionários públicos em geral, diz-se que não recebem incentivos por melhores desempenhos, que estão sujeitos ao modus operandi burocrático da máquina estatal, contra a qual nada podem fazer a não ser tornarem-se burocratas.  E de acordo com uma matéria de 2014 do Correio Braziliense, eles reclamam (acreditem, aqueles que trabalham no setor privado) do stresse gerado pelas mudanças de rotina em consequência das mudanças de governo.

Ao que tudo indica, portanto, parece que ser servidor público concursado no Brasil é mesmo uma coisa para ser feita unicamente por amor, porque as recompensas são poucas e os problemas são muitos.

Se olharmos para o outro horizonte, porém, veremos que, nos dias atuais, temos cerca de treze milhões de desempregados no Brasil. Tais números são fruto não apenas de uma guerra política que pouco se importa com a população em geral, são também reflexo do vertiginoso desequilíbrio entre o numero daqueles que nascem e aqueles que vêm a óbito. Para se ter uma ideia, em 2016 foram 1.270.898 óbitos contra 2.793.935 nascimentos no Brasil conforme divulgado em 2017 pelo IBGE.

As crianças nascidas agora serão, em breve, novos jovens no mercado de trabalho. Ema vez possuindo menor demanda que a mão de obra disponível, tende a tornar-se mais exigente e, conforme tem ocorrido nos últimos anos, especialmente com a aprovação da Reforma Trabalhista recente, produzido subempregos que servem apenas para camuflar índices relacionados com a empregabilidade.

Vejamos: a partir da Reforma Trabalhista de 2017, é possível que qualquer trabalhador possa receber, mensalmente, um valor inferior ao do salário que deveria ser o mínimo. Isso ocorre porque, de acordo com as novas regras, passam a existir os trabalhadores intermitentes, sem carteira assinada, recebendo apenas pelas horas trabalhadas. A prática de pagar menos que o salário mínimo, porém, já existe há bastante tempo, sendo praticada principalmente por empresas de Call Center, o que outrora gerou inúmeras ações judiciais.

Outra desvalorização que o trabalhador sofreu com a Reforma Trabalhista de Michel Temer, refere-se à possibilidade de as empresas poderem realizar contratos temporários renováveis, podendo somar até 270 dias, gerando assim falsos índices de emprego. Sem falar na legalização das terceirizações irrestritas, o que significa trabalhadores com menos direitos em comparação àqueles que pertencem ao quadro da empresa.  De acordo com o presidente da CUT Nacional, Vagner Freitas, trata-se da “precarização das condições de trabalho, da diminuição de salários, de benefícios e de garantias”.

Nesse jogo, quem sai ganhando é o Governo, que mesmo através desses trabalhadores desvalorizados continuará a arrecadar contribuições para o INSS.

Mas, voltando aos sofridos funcionários públicos.

Pensemos nos professores e para tanto tomemos como exemplo os professores da rede pública estadual de ensino do Pará, uma das unidades mais pobres da Federação. Um professor da educação básica no Pará tem piso salarial de R$ 3.772,69 que, acrescidos das vantagens oferecidas, chega a R$ 4.834,94 conforme informa a Secretaria de Educação do Pará (SEDUC), dados de 2018.

Quanto aos policiais, vamos falar aqui exclusivamente dos militares e especificamente daqueles lotados no paupérrimo Estado de Roraima. De acordo com o site Abordagem Policial, que trata exclusivamente de assuntos de interesse dos policiais, o salário de um soldado em inicio de carreira em 2018 é de R$ 4.792,96. Significa dizer que extrapolará os R$ 5.000,00 quando somarmos os benefícios todos. Isso sem falar nos benefícios de ter fé publica, presunção de idoneidade, não pode ser desacatado e ter quase que uma carta branca para matar.

Podemos, entretanto, falar de funcionalismo público focando especificamente naqueles que atuam nas repartições. Falar especificamente dos salários torna-se aqui impossível, pois as variações são muitas e mesmo verificando através dos “portais de transparência”, não é fácil concluir muita coisa.

Certo mesmo é que funcionários públicos trabalham de segunda a sexta-feira, não trabalham nos feriados e ainda contam com inúmeros pontos facultativos ao longo do ano, geralmente segundas ou sextas-feiras.

Quando adentramos numa repartição pública é comum a sensação de ter migrado do tempo chronos, o tempo comum dos mortais, para kayrós o tempo no qual habitam os deuses. Isso porque se percebe nitidamente que pressa é uma palavra que, naqueles ambientes, inexiste.

Não bastasse isso, temos de aceitar ser ameaçados pelo Artigo 331 do Código Penal que diz “Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa”. Ou seja: você pode ser tratado como lixo, mas tem de ficar quietinho recolhido à sua insignificância de contribuinte como se aquelas pessoas estivessem lhe prestando um favor.

Se está tão ruim para professores, policiais e demais servidores públicos, que inclusive gozam de estabilidade profissional, o que dizer dos cerca de 13 milhões de desempregados? Se é verdade que a vida pública é tão insatisfatória por que eles não deixam seus cargos e voltam para atuar nas empresas privadas? E o mais importante: Por que será que quando ocorrem concursos, tantas pessoas buscam aprovação para ingressar nesta sofrida vida de funcionário público?

O fato é que, ao espalhar a falsa ideia de vida miserável, talvez o funcionário publico o faça com o intuito de conquistar novos benefícios e quiçá justificar a morosidade  e as falhas na prestação de seus serviços.

Salário de fome é o salário da maioria das pessoas que não vai além do mínimo e que, uma vez abatidos os descontos, sobra dinheiro para muito pouca coisa além da cesta básica. Conforme dados do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) o brasileiro assalariado gasta em média 46% do seu ganho mensal com a cesta básica.

Se comparar o funcionalismo público com os demais trabalhadores já demonstra a gritante diferença entre um e outro, imagine então se mencionarmos aqueles que gozam dos chamados penduricalhos, os auxílios que não são parte do salário, mas não deixam de engordá-lo.

Juízes Federais, já em início de carreira, gozam de um salário de R$ 27.500,17, conforme planilha apresentada pelo CNJ. A esse valor somam-se os auxílios moradia, alimentação, funeral, ajuda de custo, abono permanência e tantos outros que, somados, elevam os ganhos a mais de R$ 47.000,00, conforme matéria apresentada pela revista Carta Capital em março deste ano.

Deputados Federais também não ficam atrás: além do salário, dispõem dos auxílios moradia, alimentação, contratação de até 25 funcionários, aluguel de veículos e outros que somados alcançam o montante de R$ 179 mil por mês, de acordo com o site Congresso em Foco.

Um caso emblemático dessa diferença de percepção das realidades existentes entre os trabalhadores no Brasil foi o evento causado em 2017 pela ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, que veio a público reclamar de suas condições de trabalho, que segundo ela se assemelhavam ao trabalho escravo.

Podemos ficar imaginando escravos com salário superior a R$ 30 mil mensais, cartão corporativo, apartamento funcional, direito a uso de avião da FAB e motorista particular. Hashtag: queremos todos ser escravos!

Não estamos aqui dizendo que todas essas pessoas não mereçam ganhar até dez vezes mais do que estão a ganhar, dada a relevância de suas atividades. Mas talvez seja um verdadeiro desacato ao contribuinte, que compulsoriamente paga seus impostos, os quais mantêm a máquina estatal funcionando, quando o professor “enforca” todos os pontos facultativos, quando o policial aceita suborno, quando os deputados e os juízes federais tiram duas férias anuais apesar de já trabalharem apenas alguns dias da semana.

Desacato aos brasileiros é ver uma crise política interminável aumentar a miséria de um país por conta das disputas pela manutenção do poder, em muitos casos hereditário, às quais parecem a esses senhores mais importante que cuidar dos interesses de quem os elegeu.

Portanto, pode ser que professores, policiais e demais funcionários públicos estejam vivendo uma vida de miséria. Pode ser que suas atividades os façam se sentir trabalhando como escravos. Se assim eles se sentem a solução é muito simples: abandonem vossos postos de trabalho, objeto de vosso calvário, e ingressem nas empresas privadas. Deixem que outros carreguem vossos fardos e tenham certeza de que pelo menos cerca de 13 milhões de pessoas aceitarão vossas dores de braços abertos.

Se não está bom como está, a solução é mudar e mudar logo! Do contrário parecerá que estão a reclamar em pleno paraíso.

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One Reply to ““E o salário, oh!””

  1. Marcelo

    Pelo amor de Deus, comparar salário de professor que o pai de todas as profissões e salário de pm, com juiz e deputado e uma grande covardia, digo mais polícial não é profissão e sim amor a causa qué a servir as pessoas de bem, então tenha cuidado ao citar certos comentários maldosos sobre suborno.

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