Colocando as cartas na mesa

Já faz um tempo que a cisão ideológica no Brasil se tornou perigosa. Muitas pessoas optam por perder amizades antigas quando constatam que o outro tem visões de mundo bem diferentes das suas.

Para que essa reflexão seja o mais honesta possível, coloco as cartas na mesa. Minha intenção de voto é para João Dionísio Figueira Barreto Amoêdo, do Partido Novo. Não acho que ele será o salvador da pátria, mas quero tentar algo que se propõe diferente. Isso posto, é preciso deixar bem claro que nunca pensei em votar em Jair Messias Bolsonaro. Nem por um único segundo. Considero esse candidato despreparado e falastrão. Acho, inclusive, que ele não tem o autocontrole necessário para administrar o País. Mas essas são as minhas opiniões.

Do mesmo modo, não acredito na inocência de Luís Inácio Lula da Silva. Tampouco acredito que ele foi o único que fez o que fez. Em resumo, tento não entrar em nenhum sistema simplificado de explicação do quadro nacional. É claro que falhas e desvios sempre acontecem, mas seria muito leviano cometê-los de modo proposital.

Pois bem, ontem, diante da notícia do esfaqueamento de Jair Bolsonaro, me vi no meio de um tiroteio de xingamentos e provocações. Evitei o Twitter (única rede social que ainda frequento), mas acabei visualizando as mensagens que me chegavam pelo Whatsapp. De um lado, os seguidores do candidato esfaqueado afirmavam – sem nenhuma prova – que o incidente era obra da esquerda; de outro, a turma mais à esquerda duvidava de que o incidente tivesse sido real – as imagens mostram claramente a faca perfurando a carne do candidato – ou justificavam o ocorrido como sendo culpa da própria vítima. Afinal, se ele prega tanto a violência…

Esse argumento me pareceu semelhante àquele de que a mulher é culpada de ter sido estuprada porque usou uma roupa curta.

A princípio tentei ignorar os dois grupos, mas as mensagens não paravam. Resolvi então, de modo radical, cortar relações. A medida parece intolerante, eu sei, mas não há como manter a tolerância com pessoas intolerantes. Não há como manter relações com pessoas que professam felicidade com o esfaqueamento de um ser humano – mesmo que esse ser humano seja o Bolsonaro. Não há como manter o diálogo com pessoas que acusam o outro grupo ideológico de tentativa de assassinato, sendo que não existem provas ou indícios.

Não possuo habilidades diplomáticas, nem as quero. Sempre fui um espírito selvagem. Civilização pressupõe domesticidade, coisa que eu nunca tive nem pretendo ter. Tenho consciência de que isso me impede de alcançar determinadas posições, mas se eu as alcançasse seria preciso manter o teatro a fim de manter minha posição. Não quero fabricar jaulas para mim.

Como diria Fernando Pessoa, “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”.

Independentemente do meu espectro ideológico, busco sempre a via do equilíbrio. Nem sempre consigo, é verdade, mas esse é um exercício do qual não abro mão. Como não abro mão da minha liberdade.

José Fagner Alves Santos

Sobre o autor

Website | + posts

José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Últimas publicações