Cadê o seu violão agora?

Fabinho era o típico moleque que todos os garotos da escola invejavam. Loiro, olhos verdes, cabelos no estilo surfista, bom de bola e tocava violão como ninguém.

Nem preciso dizer que, com todas essas qualidades e virtudes, as garotas da escola só tinham olhos para ele. Era o mesmo que você ser bom de futebol na mesma época do Pelé. Nunca chegaríamos aos pés do Fabinho.

Recordo-me de quando a nossa escola participou do torneio de futebol de salão interestadual. Em todos os jogos, a torcida da nossa escola era mais fiel e barulhenta do que a do Corinthians. Os decibéis emitidos pela torcida feminina levariam qualquer suplicante ao hospital para estancar as hemorragias dos tímpanos. As Fabicats – nome dado às simpatizantes do Fabinho – deixavam qualquer adversário amedrontado.

Como não tínhamos meios para concorrer com todos os atributos do Fabinho, a nossa única solução era tentar cativar a amizade dele. Quem sabe, assim nos sobrassem algumas migalhas. Ledo engano. As atenções estavam focadas nele.

Só fui levar a sério a popularidade do garoto no dia em que o Fábio Júnior – sim, o cantor – iria se apresentar em praça pública, num show promovido pela prefeitura. Nem era preciso levar um quilo de alimento não perecível, como é rotineiro nessas ocasiões. Nesse mesmo dia o time da escola tinha um jogo marcado.

Confesso que, até mesmo entre nós – os garotos da escola – houve um momento de fraqueza e quase fomos ver o show. Mas, para não dar margem a qualquer gozação que viria no dia seguinte, fomos ao jogo. Qual não foi a nossa surpresa, todas as garotas da cidade estavam na arquibancada, torcendo pelo Fabinho. Ali percebemos que não tínhamos nenhuma chance.

Mas, não era só o fato dele ser bom de bola. O que matava nossas esperanças, ou de qualquer Alan Delon da vida, era a voz do Fabinho. Quando ele trazia o violão e começava a cantar – normalmente era alguma canção do Roupa Nova – dava vontade de chegar em casa e pedir aos nossos pais a transferência de colégio. De preferência, para algum colégio que ficasse a 50 quilômetros de distância, só para ter certeza de que ele não apareceria com o seu violão.

Me recordo de um dia em que o Welington – filhinho de papai – estava arrastando as asas para um grupo de garotas, esnobando a F1000, cabine dupla, que seu pai lhe havia dado, e ele só tinha 16 anos. Do nada, apareceu o Fabinho com o seu violão e começou a cantar Todo Azul do Mar, do 14 Bis. A versão que ele fez deixaria até o Flavio Venturini envergonhado. Eu, que estava perto, tive que beliscar a minha perna para evitar escorrer uma lágrima. Welington foi embora e nem percebemos sua ausência depois que pediu transferência de colégio.

Nos quatros anos que se passaram, Fabinho foi artilheiro de todos os torneios em que participou. O colégio ganhou tudo que poderia ganhar, e todos os garotos se conformaram em receber um não das garotas para as festas de final de ano. Foram quatro anos em que todas as atenções eram dadas ao Fabinho.

No segundo ano em que o Fabinho estava no nosso colégio, eu tive o “privilégio” de cair na mesma sala que ele. Pude finalmente fazer “amizade” com o galã. Após alguns anos estudando juntos, vi que ele era uma pessoa simples, e que sua maior frustração era não ter uma amizade verdadeira, sem interesses.

Aquele garoto que era idolatrado por toda a cidade, na verdade, era solitário e usava seu violão para tentar cativar uma amizade. O moleque tinha todos os dotes possíveis para conquistar até a miss do colégio, mas, mesmo assim, era solitário. Não sabia como agir com todo aquele assédio. E olha que ele era assediado até pelas professoras.

Acabamos por fazer uma parceria. Embora eu fosse magro, orelhudo e feio, costumava escrever algumas canções, e esse era um assunto que o interessava muito. Formamos uma amizade sincera e, em todas as festas que ele era convidado, fazia questão que eu fosse junto. Conheci um verdadeiro ser humano por trás daqueles olhos verdes.

Depois da formatura, cada um tomou seu próprio caminho. Nunca mais nos falamos.

Quinze anos se passaram e, do nada, nos encontramos na praça da cidade. O Fabinho já não era o mesmo. Se alguém o chamasse de Fabão eu não ficaria surpreso. Ele estava gordo, quase careca e de mãos dadas com a Vani, filha da cozinheira da escola, garota que ninguém nunca imaginou que ele fosse baixar asas devido à sua obesidade.

Mas estavam os dois de mãos dadas, alegres como se estivessem ainda na lua de mel. Ele me viu, veio em minha direção e me abraçou. Eu, em estado de choque, sem saber o que falar, olhei para ele e pensei em perguntar:

“Cadê o seu violão agora?”

Nos cumprimentamos e depois de alguns minutos de conversa, nos despedimos e seguimos em direções opostas.

A sensação que tive era estranha, estava sorrindo com o canto da boca e sentindo um leve aperto no coração. Havia um certo saudosismo. Eu não soube o que falar, não sabia o que perguntar. Mas aquela era a primeira vez que eu via o Fabinho feliz, e ele estava sem o violão.

Sobre o autor

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Escritor, redator, podcaster, paulistano criado em Curitiba começou a cultivar o interesse pela escrita aos 14 anos. Escreveu uma coluna semanal para um jornal comunitário brasileiro nos EUA e se tornou editor de um periódico independente. De Pittsburgh realizou o Premio Podcast no Brasil em 2008/2009. Escreveu um livro sobre técnicas de filmagem com iPhone e iPad e o romance: “Tudo que tenho de fazer é sonhar“. Atualmente não consegue equilibrar o tempo gasto com Animação 3D, filmagens com smartphone, pilotar Drones e criar artes com Inteligência Artificial.


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