Até quando?

Gosto de ver a cara de espanto dos meus amigos quando conto que quero deixar São Paulo para voltar a morar no interior. Existem algumas variações, mas os argumentos são sempre muito parecidos: São Paulo é uma das cidades com os melhores aparelhos culturais e o maior número de oportunidades de todo o País; os salários aqui são bem maiores; as possibilidades de crescimento na carreira também. Todas essas informações são verdadeiras, mas não são suficientes para entender a questão.

Vamos começar pelo básico:

Acordo quase todos os dias com o nariz congestionando e/ou sangrando. O tempo seco e a poluição transformam a cidade num ambiente bem difícil para respirar. Depois de alguns dias sem chover eu necessito ligar o umidificador de ar para conseguir dormir. Para piorar, sou asmático.

O tempo que se perde no trânsito e os gastos com transporte público formam outra parte da questão. Algumas pessoas acham que manter um carro é a solução, mas eu sei bem o que é voltar da Zona Oeste para a Zona Leste de carro no horário de rush. Por outro lado, fazer a transferência da linha amarela do metrô para a linha verde, no mesmo horário, é uma experiência bem desagradável.

De qualquer modo, vamos falar do salário mais robusto que se paga na capital. Quem, assim como eu, vive de aluguel, sabe que ele pode custar 50% de todo o seu salário. O que se gasta com alimentação, água, luz, internet e transporte pode, facilmente, custar os outros 50%.

Chegamos então à questão cultural. A cidade é repleta de artistas se apresentando pelas ruas, tem grandes livrarias, cinema e teatro. Tudo isso é inegável. No entanto, muitas vezes não vou a algum evento por falta de tempo, outras por falta de dinheiro.

Mas temos a questão das oportunidades. São Paulo realmente oferece muita oportunidade de crescimento e desenvolvimento intelectual e profissional, principalmente se você tem vinte anos. Caso você tenha quase quarenta, como é o meu caso, e seja formado em jornalismo, uma boa rede de contatos pode fazer a diferença. Às vezes, nem essa rede pode te salvar. É muito possível que você seja obrigado a trabalhar com assessoria de imprensa ou como frelancer. A questão é: até quando?

Até quando vai pagar aluguel? Até quando vai viver numa correria insana, sem ter tempo para a sua família? Até quando vai adiar seus planos de realização pessoal?

Ah, você tem casa em São Paulo? Sua família mora com você? Todos vocês desfrutam dos recursos que a cidade oferece sem se apertar financeiramente? Parabéns! Fico muito feliz por você. Esse, infelizmente, não é o meu caso.

Gasto quase tudo o que ganho com as despesas, e olha que não estou ganhando mal. Gosto de cozinhar, mas não tenho espaço para construir uma cozinha que se adeque às minhas necessidades. Não tenho nem como construir um forno a lenha para assar os meus pães. Meus amigos moram a uma distância considerável, seria impossível ir à casa de qualquer um deles caminhando. Minha saúde está extremamente abalada com o ritmo e a poluição da cidade grande.

É bem possível que eu tenha dificuldade para me readequar ao interior, estou consciente disso, mas permanecer em São Paulo indefinidamente não é uma opção. Ao menos não para mim.

Para você que fica, forte abraço. Eu ainda não decidi para qual cidade vou me mudar, mas convido você a me fazer uma visita quando possível for. Terei prazer em assar meus pães enquanto colocamos a conversa em dia.

José Fagner Alves Santos

Sobre o autor

Website | + posts

José Fagner Alves Santos é jornalista (MTB 0074945/SP), formado em Letras. Mestre em Educação, Doutor em Literatura. Fã de Ernest Hemingway, Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson, John Hersey e Eliane Brum. Faz um arremedo de jornalismo literário. Publica sempre às segundas aqui no Editoria Livre e apresenta o podcast que é publicado às quartas. Colabora com o Portal Café Brasil.


Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Últimas publicações