A caneta azul

Quando somos jovens, ávidos por ganhar o próprio dinheiro, colecionamos histórias. Com tempo, elas viram experiências, cabelos brancos, marcas de cansaço e aquela vontade inesgotável de ser compreendido, de fazer diferença.

Durante meus dezoito anos, quando ainda era muito inexperiente, participei de um processo seletivo para trabalhar em revenda de telefonia.

O sol era familiar e o suor escorria a medida que caminhava. Encontrei o shopping em que a entrevista aconteceria muito tempo depois. Julgava que aquele amontoado de concreto estava disputando o primeiro lugar no quesito “quente” com o fervor das ruas.

Ser jovem, desde aquela época, significava ter de passar maus bocados, acreditar estupidamente que o valor estava na quantidade de sofrimento e não no aprendizado que o sofrimento lhe proporcionava.

Permaneci impaciente por quatro horas esperando o recrutador chegar para entrevista — que vinha de outro processo seletivo em Niterói. Quando chegou, rapidamente começou a chamar os nomes, mas haviam pessoas mais pontuais,  e aguardei por mais uma hora e meia.

Nos cumprimentamos. O sujeito era baixo, uns cincos anos mais velho. Isso obviamente me apavorou. Era a vendedora desempregada, ele, o engomadinho com curso superior. Naquela época, não se graduar era vergonhoso.

Articulava de forma apressada. Haviam traços de cansaço no semblante. Falava muito, mas não recordo o que dizia. Me sentia forçada a manter a concentração. Aos poucos, me peguei desejando que aquilo acabasse. Quando pensei que a voz dele havia diminuído, junto com minha paciência, eis que algo me chamou a atenção.

Perguntou-me:

“Você pode vender esta caneta?”

Disse, prontamente que sim, sem entender bem o propósito daquilo. Era uma caneta banal que poderia ser comprada em qualquer vendedor ambulante.

Não passei no processo seletivo, obviamente.

Fui compreender muito tempo depois que, para vender um produto ou serviço, você precisa saber como funciona o processo de raciocínio das pessoas e tentar extrair ao máximo de seu perfil psicológico.

Além de tentar desvendar o processo de compra e venda, é preciso mesmo em águas turvas, levantar vela para que possa prosseguir — se não passar pela tempestade, não enxergará a terra.

No caso do processo de vendas, funciona da mesma maneira. O cliente vai tentar te burlar o tempo inteiro. Ele quer saber o quão bom é.

Como um cozinheiro, deve compreender que o prato precisa ter o mesmo sabor até a última garfada, mantendo temperos, o gosto natural e não deixando que a massa fique mole demais. É da última garfada que você lembra ao comer a massa, assim como são os últimos segundos que definem o sucesso ou fracasso de uma venda.

Se houvesse mais convicção em minha venda, a probabilidade de efetivação aumentaria. No entanto, não se vende um produto que você não acredita.

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